Butantan avança no combate à gripe aviária: Anvisa autoriza testes em humanos da vacina contra H5N1
Com capacidade para produzir até 30 milhões de doses, instituto inicia fases 1 e 2 dos ensaios clínicos com 700 voluntários adultos e idosos. Pesquisa mira resposta imune e segurança frente a risco crescente de mutação e pandemia.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou nesta terça-feira (1º) a realização de testes clínicos em humanos da vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan contra a gripe aviária causada pelo vírus H5N1, uma das variantes mais preocupantes da influenza A. A decisão marca um passo estratégico na preparação do Brasil para o enfrentamento de potenciais emergências sanitárias e posiciona o país entre os poucos no mundo com capacidade de resposta tecnológica diante da ameaça do vírus.
O imunizante, que demonstrou alta segurança e potencial imunogênico nos testes pré-clínicos em animais, será agora testado em 700 voluntários — adultos e idosos — nas fases 1 e 2 dos ensaios clínicos, conduzidos em cinco centros de pesquisa distribuídos entre Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.
“Nosso objetivo é garantir que, se o vírus sofrer mutações com capacidade de transmissão sustentada entre humanos, estejamos prontos para uma resposta em escala nacional”, afirma o diretor do Butantan, Esper Kallás.
Etapas da pesquisa: segurança e resposta imune
A fase inicial, a ser realizada em Recife, incluirá 70 adultos entre 18 e 59 anos. Eles receberão duas doses da vacina, com intervalo de 21 dias entre as aplicações. A partir dessa primeira aplicação, a equipe avaliará o perfil de segurança de duas formulações distintas do imunizante. Com a aprovação preliminar, uma nova etapa será aberta para recrutar mais 280 participantes adultos, expandindo a aplicação para outros centros de pesquisa.
Na segunda fase, a vacina será testada em idosos com 60 anos ou mais, começando com 70 participantes. Uma nova rodada de testes envolverá outros 350 voluntários idosos, consolidando o grupo total de 700 pessoas. A previsão é de que o acompanhamento clínico dos voluntários se estenda até 2026, quando será montado um dossiê regulatório abrangente, incluindo faixas etárias mais vulneráveis.
Inovação nacional e resposta a risco global
Diferentemente das vacinas contra influenza sazonal, a vacina do Butantan contra o H5N1 foi desenvolvida com base em uma tecnologia de vírus inativado adaptado ao subtipo H5N8, um subtipo próximo ao H5N1 e igualmente capaz de provocar surtos letais em aves e risco de transbordamento zoonótico.
Apesar de ainda não ter havido casos registrados de gripe aviária em humanos no Brasil, especialistas alertam para a ampliação do espectro de infecção do vírus, que já ultrapassou o limite das aves e começou a infectar mamíferos — incluindo vacas leiteiras nos Estados Unidos — e humanos em contato com esses animais.
“Estamos observando a transmissão do vírus entre espécies com maior frequência: de aves para aves, aves para mamíferos, e até entre mamíferos. Isso demonstra o risco real de adaptação para transmissão entre humanos”, explica Paulo Lee Ho, gerente de Desenvolvimento e Inovação do Butantan.
Risco pandêmico e vigilância genômica
O alerta da comunidade científica se intensificou após estudos, como o publicado na revista Science, apontarem que uma única mutação genética no vírus H5N1 poderia torná-lo capaz de ser transmitido entre humanos, abrindo caminho para uma nova pandemia global. A taxa de mortalidade associada aos casos humanos até agora é elevada, em torno de 50%, embora esses casos sejam raros e vinculados a exposição direta a aves infectadas.
Em 2023, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) identificaram o vírus H5N1 em rebanhos bovinos, algo inédito até então. Em maio de 2024, foi confirmado o primeiro caso humano de gripe aviária em um trabalhador da indústria leiteira norte-americana, o que acendeu ainda mais o alerta entre autoridades sanitárias globais.
Capacidade de produção nacional
Caso os resultados dos ensaios clínicos sejam positivos, o Butantan poderá iniciar, em tempo reduzido, a produção de até 30 milhões de doses do imunizante, que seriam prioritariamente destinadas a grupos de risco ou áreas afetadas, conforme estratégias coordenadas com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
A infraestrutura usada na fabricação da vacina contra H5N1 é baseada na mesma plataforma tecnológica da vacina da gripe tradicional, já produzida anualmente pelo Butantan, o que agiliza o processo de escalonamento industrial caso necessário.
Vacina como estratégia de biossegurança
Embora não seja prevista uma campanha de vacinação massiva em curto prazo, o desenvolvimento do imunizante reforça a estratégia de biossegurança sanitária nacional e demonstra a capacidade científica e produtiva do Brasil em agir preventivamente. O Butantan, um dos maiores fabricantes de vacinas da América Latina, reafirma com este projeto seu papel central na autonomia tecnológica e na defesa da saúde pública diante de emergências globais.
“Este é um investimento em vigilância, pesquisa e soberania. Estamos preparando o país para um cenário que, infelizmente, pode se tornar real”, resume Kallás.
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