Sonegação de grãos em Goiás ultrapassa R$ 34 milhões no 1º semestre e revela rede fraudulenta com mais de 140 envolvidos
Receita Estadual identifica circulação irregular de 76 mil toneladas de grãos e autua empresas e “noteiras” por esquema de evasão fiscal; auditorias apontam fraudes em 220 mil toneladas comercializadas com notas frias

A Secretaria da Economia de Goiás, por meio da Superintendência de Fiscalização Regionalizada da Receita Estadual, desencadeou no primeiro semestre de 2025 uma série de operações que resultaram na autuação de R$ 34,7 milhões em infrações fiscais relacionadas à comercialização de grãos sem o devido recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ao todo, foram identificadas 76 mil toneladas de cargas em trânsito sem documentação fiscal regular, interceptadas em pontos estratégicos de rodovias que cortam as principais regiões produtoras do estado.
O relatório parcial divulgado nesta terça-feira revela que a ofensiva da Receita Estadual tem como foco não apenas o transporte irregular, mas também o cerco a empresas especializadas na emissão de notas fiscais fictícias — as chamadas “noteiras”, que operam como facilitadoras da sonegação em larga escala no setor agroindustrial.
Uma engrenagem milionária de fraudes
De acordo com o levantamento da pasta, 16 empresas foram formalmente auditadas sob suspeita de participar de um esquema articulado de evasão fiscal por meio da emissão e circulação de notas fiscais eletrônicas simuladas. Essas empresas, muitas delas registradas em endereços de fachada, foram responsáveis por movimentar de forma fraudulenta 220 mil toneladas de grãos, o equivalente a dezenas de milhares de cargas de soja, milho e sorgo.
As ações investigativas apuraram um crédito tributário superior a R$ 63,3 milhões, valor que pode crescer com a continuidade das diligências. A Receita Estadual identificou 144 pessoas físicas e jurídicas envolvidas diretamente na cadeia de emissão, transporte, venda e aquisição dos produtos sem a devida tributação.
Suspensão de empresas e impacto sobre o setor
Como medida cautelar, 28 empresas goianas tiveram seus cadastros estaduais suspensos, em razão de inconsistências fiscais graves, como a não comprovação de origem da mercadoria, divergência entre estoques e vendas, e intermediações fictícias. A suspensão impede essas empresas de emitirem notas fiscais, operar legalmente no mercado e obter créditos fiscais, tornando-as, na prática, inativas do ponto de vista tributário.
Em entrevista, o superintendente de Fiscalização da Secretaria da Economia, Antônio Flávio Rodrigues, destacou que as operações são essenciais para equilibrar a concorrência no setor agrícola. “Estamos lidando com um modelo sofisticado de fraude, que afeta não apenas a arrecadação, mas também os produtores regulares, que enfrentam competição desleal por parte de operadores que atuam à margem da lei”, afirmou.
Caminhos do grão: das rodovias ao sistema financeiro
Boa parte das cargas irregulares foi interceptada em trechos da BR-153, GO-020 e GO-070, em ações integradas com a Polícia Rodoviária Estadual e o apoio de ferramentas de fiscalização eletrônica e inteligência fiscal, como cruzamento de dados em tempo real com a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e).
Além do transporte irregular, as investigações avançam agora para o rastreamento financeiro das empresas e indivíduos envolvidos. A Receita solicitou apoio do Ministério Público Estadual (MP-GO) e do Núcleo de Inteligência Fiscal (NIF) para mapear eventuais práticas de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e constituição de empresas de fachada em nome de “laranjas”.
Um desafio histórico à tributação no agronegócio
O combate à sonegação no comércio de grãos é um dos maiores desafios históricos da arrecadação estadual em Goiás, dada a centralidade do setor agrícola na economia local e a dificuldade em fiscalizar toda a cadeia produtiva, que se estende da lavoura às cooperativas, armazéns, tradings e indústrias processadoras.
Estudos do Instituto Mauro Borges (IMB) e do próprio Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) já apontaram que a evasão fiscal no agronegócio brasileiro pode ultrapassar 10% do total comercializado, com impacto direto na capacidade dos estados de investir em infraestrutura, saúde e educação.
Medidas futuras
A Secretaria da Economia anunciou que novas tecnologias de monitoramento serão integradas aos sistemas de controle, incluindo rastreabilidade por blockchain, intensificação das auditorias por análise de comportamento fiscal e a criação de protocolos interestaduais de cooperação, especialmente com estados vizinhos como Mato Grosso e Minas Gerais.
“O recado é claro: vamos responsabilizar todos os envolvidos, inclusive compradores finais, que se beneficiam de produtos sem nota e participam da cadeia de sonegação”, concluiu o secretário da Economia de Goiás, Cristiano Cavalcante.
A apuração continua, e novas etapas da fiscalização devem ser deflagradas nos próximos meses, com foco na recuperação dos créditos tributários e na punição administrativa e criminal dos responsáveis. A Secretaria da Economia reafirma que empresas em situação regular não serão penalizadas, mas a tolerância será zero com esquemas estruturados de fraude fiscal no estado.
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