R$ 25,2 milhões sem lastro: Comurg cobra por serviços não comprovados e Prefeitura de Goiânia bloqueia pagamentos
Seinfra identifica falhas graves na prestação de contas da estatal, cria comissão especial e impõe nova rotina de auditoria. A cobrança sem comprovação remonta à gestão de Rogério Cruz e expõe fragilidade histórica no controle de gastos públicos.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) identificou, nos primeiros meses de 2025, um montante de R$ 25,2 milhões em serviços supostamente prestados pela Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) em 2024, sem qualquer documentação comprobatória válida. O valor foi apresentado para pagamento à pasta, mas, sem os comprovantes exigidos, os pedidos foram barrados integralmente.
A descoberta levou à criação de uma comissão técnica especial, que ainda não liberou um único centavo dessas cobranças. As principais irregularidades dizem respeito a serviços de varrição manual (R$ 9,9 milhões), capina e roçagem (R$ 3,8 milhões) e recolhimento manual de lixo (R$ 3,5 milhões) — todos previstos em contrato firmado entre Comurg e Seinfra em outubro de 2023, ainda na gestão do então prefeito Rogério Cruz (SD).
Mudança de cultura: do “faz de conta” à exigência de provas
As solicitações de pagamento são referentes a cerca de 113,5 mil km de vias urbanas supostamente varridas entre julho e outubro de 2024, entre outras atividades, como catação manual de lixo e manutenção urbana. Contudo, nenhuma medição formal foi apresentada — etapa que passou a ser obrigatória desde 2023, após sucessivas crises financeiras da estatal e sucessivos questionamentos do Ministério Público de Goiás (MP-GO) e da Câmara Municipal de Goiânia.
Fontes ligadas à gestão passada revelaram que, embora a exigência de medições estivesse prevista, a fiscalização era “branda e conivente”, e pagamentos eram autorizados mesmo sem verificações rigorosas. “A Seinfra tinha uma relação quase simbiótica com a Comurg, e mesmo com serviços mal executados ou não realizados, os repasses ocorriam regularmente”, relatou um ex-servidor da área técnica, sob anonimato. Outros três ex-integrantes da gestão confirmaram a prática.
Fiscalização reativa: comissão tenta remontar medições antigas
Diante das suspeitas, a nova gestão da Seinfra criou, em fevereiro, uma comissão técnica para reavaliar todas as solicitações de pagamento sem comprovação documental apresentadas até 31 de janeiro de 2025. Os técnicos enfrentam um desafio extra: parte dos processos sequer havia sido digitalizada, dificultando a verificação histórica.
Na ata da reunião de 27 de fevereiro, a comissão registrou que os dados apresentados pela Comurg não são confiáveis nem verificáveis até o momento, e recomendou que nenhum pagamento fosse processado até a devida auditoria. O prazo inicial de 60 dias para conclusão dos trabalhos foi prorrogado.
Nova gestão promete rigor e contenção de gastos
Desde que assumiu a Prefeitura, em janeiro de 2025, o prefeito Sandro Mabel (UB) tem adotado um discurso firme de contenção de despesas públicas e reestruturação da Comurg. A estatal acumula uma dívida estimada em R$ 2 bilhões. Mabel anunciou um plano de saneamento, com previsão de aporte de até R$ 190 milhões — dos quais R$ 46 milhões já foram repassados — para cobrir indenizações, demissões e precatórios.
Uma das primeiras medidas foi a redução do número de servidores comissionados, de aproximadamente 550 para menos de 100, além da suspensão do pagamento de quinquênios com base em decisão judicial recente. A folha de pagamento caiu cerca de 33% no primeiro trimestre, representando uma economia de R$ 42 milhões.
O contrato que não saía das planilhas
Mesmo com cláusulas que exigem comprovação via medição, o contrato assinado em 2023 entre a Seinfra e a Comurg permitia uma margem de interpretação que acabou sendo explorada na prática. Técnicos afirmam que as medições eram apresentadas com base em estimativas, e não em verificações reais.
“Em 2024, era comum a população reclamar que não via os trabalhadores da Comurg nas ruas, mesmo com as planilhas apontando milhares de quilômetros varridos por mês. A execução ‘no papel’ persistia, enquanto os repasses não diminuíam”, disse um dos técnicos responsáveis pela análise atual.
A Seinfra afirmou, em nota enviada à imprensa, que “todos os pagamentos são realizados apenas após o processamento das medições” e negou conhecimento de liberações anteriores sem a devida verificação. Mas a comissão criada pela própria pasta contradiz a tese de normalidade.
Próximos capítulos: apuração técnica e possível responsabilização
A expectativa é que a comissão finalize os trabalhos ainda no segundo semestre, com relatório conclusivo que poderá indicar inadimplência contratual, necessidade de devolução de recursos ou até responsabilização administrativa.
A análise atual, segundo especialistas em direito administrativo consultados pela reportagem, poderá embasar ações do TCM-GO e do MP-GO, inclusive com recomendações de improbidade administrativa, caso fique comprovada a liberação de recursos públicos sem a devida contraprestação de serviços.
Panorama resumido da crise
Fato | Valor/Impacto |
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Serviços sem medição | R$ 25,2 milhões |
Varrição suposta | 113,5 mil km de vias |
Comissão técnica instaurada | Fevereiro de 2025 |
Redução de comissionados | De 550 para <100 |
Economia na folha | R$ 42 milhões (1º trimestre) |
Dívida acumulada da Comurg | R$ 2 bilhões |
A cobrança sem provas feitas pela Comurg acende um sinal de alerta sobre práticas permissivas herdadas de administrações anteriores. Com uma nova gestão municipal prometendo rigor, transparência e economia, o caso pode se tornar símbolo de um ponto de virada na fiscalização dos contratos públicos em Goiânia.
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