Prefeitura de Goiânia tenta reduzir emendas parlamentares e acirra embate com vereadores
Vazamento de minuta de decreto revela tentativa do Executivo de reduzir recursos do Legislativo; medida é considerada ilegal pela Procuradoria-Geral do Município.

A relação entre a Prefeitura de Goiânia e a Câmara Municipal enfrenta uma nova crise após o vazamento de uma minuta de decreto que propõe a redução das emendas parlamentares impositivas de 2% para 1,5% da receita corrente líquida do município. A revelação da proposta gerou insatisfação entre os vereadores, que consideram a medida uma afronta ao Legislativo e avaliam que ela pode ser inconstitucional.
A minuta, que ainda não foi publicada oficialmente, sugere que a Prefeitura teria como justificativa a necessidade de maior controle fiscal e eficiência na alocação dos recursos públicos. No entanto, um parecer da Procuradoria-Geral do Município (PGM) concluiu que a mudança no percentual das emendas não pode ser feita por decreto, pois isso excederia o poder regulamentar do Executivo. Para ser válida, a alteração precisaria ser aprovada pelo próprio Legislativo, via projeto de lei.
Nos bastidores, vereadores se articulam para barrar qualquer tentativa da Prefeitura de reduzir o percentual. Um grupo já discute a possibilidade de apresentar um decreto legislativo para anular a medida, caso seja oficializada. Parlamentares também avaliam que a tentativa da gestão do prefeito Sandro Mabel (UB) pode representar um “racha” definitivo entre os dois poderes, intensificando um desgaste que já vinha se desenhando nas últimas semanas.
Desgaste crescente entre Executivo e Legislativo
A tensão entre o Paço Municipal e os vereadores aumentou após uma série de episódios que foram interpretados como sinais de desvalorização do Legislativo por parte da gestão Mabel. Na semana passada, o prefeito cancelou, de última hora, uma reunião na Câmara que trataria da reformulação da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), o que gerou irritação entre os parlamentares. Além disso, ele anunciou que não compareceria à prestação de contas do terceiro quadrimestre de 2024, marcada para o dia 24 de março, alegando que não teria o que dizer sobre as contas do ex-prefeito Rogério Cruz (SD).
Esses movimentos foram vistos como estratégicos pelo Paço, mas interpretados como desprestígio pelo Legislativo. Vereadores, principalmente os da oposição, afirmam que o prefeito vem evitando o confronto direto, mas que a tentativa de reduzir o valor das emendas impositivas foi “a gota d’água” para a crise entre os poderes.
O vice-presidente da Câmara, Anselmo Pereira (MDB), afirmou que a Casa só se manifestará oficialmente quando o decreto for publicado. “Se o prefeito fizer o decreto e decretar, nós vamos discutir o decreto. Mas aquilo que não é decretado não existe. Minuta de decreto é presunção”, declarou.
Já o líder do prefeito na Câmara, Igor Franco (MDB), tentou minimizar o embate e aposta no diálogo para resolver a questão. “O Sandro é um prefeito de consciência, ele foi parlamentar e entende o Legislativo, e tenho certeza de que haverá um consenso para resolver isso da melhor forma possível. Não vejo conflitos. O consenso virá em construção com os vereadores”, afirmou.
O que muda com o novo decreto
A minuta do decreto não se limita apenas à redução do percentual das emendas, mas também estabelece novas regras de transparência na aplicação dos recursos. Entre as principais mudanças, está a exigência de que os órgãos e entidades beneficiados enviem, até o quinto dia útil de cada mês, um relatório detalhado sobre a execução dos valores recebidos. Esses dados serão encaminhados à Secretaria de Articulação Institucional e Captação, que, por sua vez, repassará as informações à Secretaria da Fazenda para a elaboração de um relatório circunstanciado.
O modelo proposto pela Prefeitura se inspira em um decreto do Governo do Estado de Goiás, publicado em 31 de janeiro, que definiu novas diretrizes para a destinação das emendas parlamentares estaduais. A ideia é ampliar a fiscalização e garantir que os recursos sejam aplicados de forma mais eficiente, reduzindo o risco de escândalos envolvendo a destinação do dinheiro público.
Atualmente, a maioria das emendas impositivas dos vereadores goianienses é destinada a associações, institutos e entidades sem fins lucrativos, sob a justificativa de que esse modelo permite uma execução mais ágil, sem a burocracia imposta aos repasses feitos diretamente para a Prefeitura. No entanto, especialistas em finanças públicas apontam que esse formato tem pouca transparência, já que muitas dessas entidades não possuem mecanismos eficientes de prestação de contas.
Decisão final pode ir parar na Justiça
Com o impasse entre Executivo e Legislativo, especialistas apontam que, caso o decreto seja publicado, há grande possibilidade de judicialização da questão. Vereadores podem acionar o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) para questionar a legalidade da medida, enquanto o Paço pode tentar defender a regulamentação alegando necessidade de controle fiscal.
Além disso, o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) já publicou uma instrução normativa que estabelece diretrizes para a operacionalização das emendas individuais nas leis orçamentárias municipais em todo o estado. A norma exige que as emendas destinadas a entidades privadas sem fins lucrativos sejam acompanhadas de um plano de trabalho detalhado, incluindo cronograma físico-financeiro, metas e plano de aplicação de despesas.
A Prefeitura de Goiânia ainda não definiu uma data para a publicação do decreto, e o texto segue sendo ajustado nos bastidores. Enquanto isso, os vereadores prometem se mobilizar para impedir qualquer tentativa do Executivo de reduzir sua autonomia sobre o orçamento municipal.
O cenário aponta para uma disputa intensa nos próximos dias, com possibilidade de impactos diretos na governabilidade do prefeito Sandro Mabel.