O Abandono de Espaços Nobres e a Crise Social Incontida no Coração da Capital
Conflito em Praça Central Expõe Falha Crônica em Serviços Públicos e Política de Deslocamento, Enquanto Degradação e Invasão de Moradia se Alastram para Áreas de Elite, como o Setor Sul.

O centro de Goiânia se tornou o epicentro de um conflito socio-urbano que expõe a fragilidade da assistência social e a ineficácia das políticas municipais de zeladoria. Moradores e comerciantes dos arredores da Praça Doutor Carlos de Freitas, na Alameda Botafogo, intensificaram as cobranças por segurança e revitalização, alegando que o espaço foi tomado por tendas, tráfico de drogas, violência, e problemas sanitários graves, como fezes e urina a céu aberto.
O ápice do protesto recente foi a instalação de um outdoor com os dizeres “Salvem a Alameda Botafogo”, uma ação coordenada para forçar uma resposta estrutural do poder público. A praça, localizada em frente ao Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop), concentra indivíduos que buscam acesso aos serviços essenciais da unidade, que fornece diariamente alimentação, kits de higiene, banho e lavanderia para uma média de 150 pessoas.
A Degradação da Qualidade de Vida
Uma moradora da Alameda Botafogo há 30 anos, relata que a situação se deteriorou drasticamente desde a realocação do Centro Pop para o local, há cerca de cinco anos, atingindo um ponto de “descontrole total” nos últimos dois anos. A comunidade expressa receio até para realizar atividades básicas devido a episódios de violência, incluindo relatos de tentativa de homicídio em plena luz do dia, além da convivência com lixo, sujeira e a ocorrência frequente de necessidades fisiológicas em público.
A mobilização dos moradores resultou em mais de 200 assinaturas encaminhadas ao Ministério Público e na articulação de uma audiência pública para discutir um plano de ações que inclui reforço policial e revitalização da infraestrutura. A principal proposta de alguns moradores para restaurar a qualidade de vida é a transferência do Centro Pop para um local que não impacte tanto a área residencial e comercial.
O Efeito Sistêmico: Deslocamento e Abandono
A crise na Praça Carlos de Freitas, no entanto, não é um evento isolado, mas sim um sintoma da falha em gerir a assistência e a zeladoria urbana de forma abrangente. O problema migrou para bairros de alto padrão que deveriam servir como vitrines da qualidade de vida na capital, como o Setor Sul.
O Setor Sul, conhecido por ser um bairro nobre com vasta área verde, reflete o mesmo estado de abandono, mas sob outra roupagem: o descaso com serviços básicos e a migração de problemas sociais. A ineficiência municipal na coleta de lixo, por exemplo, é flagrante, especialmente em vias de difícil acesso como vielas, onde caminhões se recusam a manobrar, levando o serviço a ser executado apenas após intervenção direta e reiterada dos moradores via e-mail de cobrança.
Mais grave, a população em situação de rua, que se deslocou do centro após ações de “remoção” executadas em administrações anteriores (como a referida política de “Mabel”), invadiu áreas residenciais do Setor Sul. Este deslocamento forçado, que não apresentou solução habitacional ou assistencial duradoura, apenas dispersou a crise, resultando em problemas de ordem pública e sanitária, como a prática de defecação em calçadas de residências. O bairro, antes refúgio, agora espelha a degradação central, provando que políticas de limpeza social apenas empurram o problema para áreas menos visíveis.
A Perspectiva de Quem Vive na Rua
Do outro lado do conflito, a população em situação de rua contesta as alegações generalizadas de criminalidade. Um dos acampados, de 38 anos, afirma que existe uma autodisciplina no local, com regras contra roubos e crimes mais graves, alegando que o grupo exerce, de certa forma, uma vigilância mútua.
Eles defendem que a permanência na Alameda Botafogo se deve à necessidade premente de acesso rápido e desimpedido ao Centro Pop. Para eles, a situação é uma “consequência do sistema, da má distribuição de renda e da divisão de classes sociais”, e não uma opção de vida. A transferência da unidade, vista pelos moradores como solução, é encarada por esta população como um obstáculo, dificultando o acesso à única rede de apoio que possuem.
Respostas Oficiais Sem Solução
Diante da pressão, os órgãos públicos emitiram notas que confirmam a complexidade do cenário, mas oferecem poucas soluções imediatas e estruturais.
A Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh) informou que mantém abordagens diárias e encaminhamentos para a rede de proteção, mas não estabeleceu uma data para a prometida realocação do Centro Pop, confirmando que a unidade “deve permanecer no local” até que o novo endereço esteja pronto.
Já a Polícia Militar de Goiás (PM-GO) e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) prometeram intensificar o policiamento. Contudo, a PM-GO reconheceu em nota que a problemática das pessoas em situação de rua “não se restringe ao aspecto criminal, exigindo também medidas de caráter social e assistencial”, uma admissão que sublinha a necessidade de ações intersetoriais que vão muito além da segurança ostensiva, e que o município tem falhado em entregar.
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