Ministério da Saúde vai auditar maternidades de Goiânia em meio a denúncias de colapso e cortes drásticos nos repasses
Após mais de um ano de instabilidade, com dívidas acumuladas e redução nos recursos, unidades sob gestão da Fundahc operam no limite; intervenção federal emergencial é cogitada.

O Ministério da Saúde se prepara para realizar uma auditoria completa nas três maternidades municipais de Goiânia — Célia Câmara, Dona Iris e Nascer Cidadão — após sucessivos episódios de paralisações, atraso no pagamento de profissionais e cortes nos insumos hospitalares. A decisão ocorre após solicitação formal da vereadora Aava Santiago (PSDB) ao Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS), que apontou risco real de colapso no atendimento materno-infantil da capital goiana.
As três unidades são geridas pela Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), organização vinculada à Universidade Federal de Goiás (UFG). Desde 2023, porém, a relação entre a fundação e a Prefeitura de Goiânia se deteriorou. A dívida acumulada da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) com a Fundahc já ultrapassa os R$ 86 milhões, segundo cálculos da própria fundação. O débito inclui salários atrasados, compromissos com fornecedores e obrigações trabalhistas.
Além da inadimplência, um novo plano de trabalho foi proposto pela Prefeitura em fevereiro de 2025, reduzindo drasticamente o valor mensal destinado à Fundahc: de R$ 20,5 milhões para apenas R$ 12,3 milhões — uma queda de quase 40%. A mudança foi justificada pela atual gestão como uma tentativa de reestruturar os contratos e “corrigir ineficiências herdadas”.
No entanto, a proposta não passou despercebida pelos profissionais de saúde, que apontam risco iminente de sucateamento das maternidades. A situação se agravou quando a Secretaria anunciou, no último dia 15, o redirecionamento dos atendimentos de urgência e emergência da Maternidade Célia Câmara para outras unidades. O pronto-socorro da unidade será fechado, e a internação só poderá ocorrer via regulação.
O novo plano prevê a disponibilização de dez leitos de UTI adulto, dez UTIs neonatais, dez unidades de cuidados intermediários neonatal (Ucin) e cinco Ucins Canguru. Contudo, trabalhadores denunciam falta de infraestrutura para implementar as mudanças sem comprometer ainda mais o atendimento. Segundo apuração, há resistência interna à reestruturação, e o clima nas unidades é de insegurança.
Ofício ao Ministério da Saúde cobra ação emergencial
No ofício enviado ao DenaSUS em 20 de março, a vereadora Aava Santiago não apenas pediu a auditoria técnica, como também solicitou medidas de impacto imediato. Entre elas, a liberação de recursos emergenciais federais, a criação de um fundo provisório para garantir o pagamento de profissionais e a compra de insumos essenciais, além da mediação direta entre a Fundahc e a Prefeitura de Goiânia.
A parlamentar também sugere que o Ministério da Saúde estude a viabilidade de transferir a gestão das maternidades para a União, total ou parcialmente, por meio da inclusão das unidades no eixo de saúde do Novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Outro pedido foi a avaliação da possibilidade de decretar calamidade pública na saúde municipal, com base no Decreto nº 28, publicado em 2 de janeiro de 2025, pelo próprio município.
Em resposta datada de 4 de abril, o diretor do DenaSUS, Rafael Bruxellas, confirmou que a auditoria será incluída no Plano Anual de Auditoria Interna (PAA) e que a pasta “envidará esforços para executá-la o mais breve possível”, considerando os critérios de urgência e a capacidade operacional da equipe técnica.
Prefeitura e Fundahc divergem em discursos, mas convergem na crise
A Prefeitura de Goiânia afirmou, por meio de nota, que está “à disposição para colaborar com a auditoria” e que a gestão atual herdou as maternidades “em estado crítico”. Também destacou ter investido R$ 71 milhões em 2025 em repasses para a Fundahc e realizado compras emergenciais de medicamentos e insumos.
Já a Fundahc reforça que é submetida a fiscalizações rotineiras do Ministério Público, do Tribunal de Contas e dos próprios entes conveniados. Em comunicado enviado à imprensa, a fundação informou que “não teme qualquer auditoria” e que está “pronta para comprovar a lisura e a qualidade dos serviços prestados”.
A tensão entre os dois lados, porém, segue crescente. O prefeito Sandro Mabel (UB) já declarou publicamente seu descontentamento com a atuação da fundação. Internamente, há rumores de que o Executivo estuda outras alternativas de gestão, incluindo Organizações Sociais (OSs), o que geraria novo debate sobre transparência e controle social.
Sem data definida, auditoria será teste decisivo para a saúde materna da capital
Apesar do aceno do Ministério da Saúde, ainda não há prazo definido para o início da auditoria. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que o levantamento técnico deve ser criterioso e incluir não apenas a análise financeira dos contratos, mas também indicadores de qualidade do serviço, prontuários médicos, indicadores assistenciais e condições estruturais.
Enquanto isso, profissionais seguem trabalhando sob pressão, mães esperam atendimento com incerteza e a população se vê no centro de um impasse que, a cada semana, ganha novos desdobramentos. A auditoria federal promete ser um divisor de águas: ou resgata a confiança na saúde pública da capital, ou escancara de vez o abismo de má gestão que separa o discurso político da realidade nas maternidades de Goiânia.
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