Incêndio ilegal de tanque com piche às margens da Serra da Areia expõe falhas no controle ambiental em Aparecida de Goiânia
Queima irregular de derivado de petróleo, supostamente para amolecer resíduos de asfalto, gera fumaça tóxica e mobiliza bombeiros. Ato pode configurar crime ambiental e será investigado por órgãos ambientais.
Um tanque isotérmico contendo resíduos de piche foi incendiado de forma proposital na manhã desta sexta-feira (11), nas imediações da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Areia, em Aparecida de Goiânia. A estrutura, comumente utilizada para armazenar emulsões asfálticas a temperaturas controladas, estava depositada em um buraco escavado no solo, próximo ao Loteamento Belo Monte e ao Bairro Independência Mansões.
Segundo o Corpo de Bombeiros Militar de Goiás, que foi acionado por populares e segue atuando no local, o incêndio não se espalhou para a vegetação nativa e não atingiu edificações, mas emitiu fumaça preta e densa, típica da combustão de derivados de petróleo, como o piche.
Em vídeo divulgado por moradores, é possível ver o tanque em chamas, liberando uma coluna de fumaça escura sobre a região, que abriga importantes fragmentos de cerrado e está inserida em um dos últimos remanescentes ambientais urbanos da Região Metropolitana de Goiânia.
Confissão e justificativa: “técnica para limpeza”, diz responsável
De acordo com o Conselho Gestor da APA Serra da Areia, o responsável pelo incêndio se apresentou aos bombeiros e afirmou ter utilizado o fogo como método para “amolecer” o piche ressecado, a fim de facilitar a limpeza do tanque.
A justificativa, embora comum em práticas informais na construção civil, fere normas ambientais e sanitárias. A queima de produtos derivados de petróleo, como o asfalto líquido e seus resíduos, só pode ocorrer em locais licenciados e com controle de emissão, segundo regulamentações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e da própria Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98).
Empresa responsável pode responder por crime ambiental
O tanque incendiado, segundo informações do Conselho Gestor, pertence a uma empresa contratada para executar obras de terraplanagem e pavimentação no Loteamento Belo Monte, empreendimento habitacional em expansão nas proximidades da Serra da Areia.
Até o momento, não há comprovação de que a atividade tenha sido licenciada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Aparecida de Goiânia (Semma), órgão que foi acionado para fiscalizar o local e investigar eventual infração ambiental. Caso fique comprovada a ausência de autorização, a empresa poderá ser multada e processada criminalmente por queima irregular de resíduos perigosos e por potencial dano à saúde pública e ao meio ambiente.
Especialistas alertam que a combustão de piche libera hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), substâncias altamente tóxicas, cancerígenas e persistentes, que podem afetar o solo, o ar e a fauna local.
Serra da Areia: área sensível e sob pressão
A APA Serra da Areia, onde o episódio ocorreu, é considerada uma das áreas verdes mais emblemáticas do território metropolitano de Goiás, abrigando espécies nativas do cerrado e funcionando como corredor ecológico entre áreas urbanas de Aparecida de Goiânia e Goiânia.
Nos últimos anos, a região vem enfrentando pressões crescentes do setor imobiliário, descarte irregular de resíduos e queimadas ilegais, tornando-se um dos pontos críticos de conflito entre expansão urbana e conservação ambiental.
A prática verificada nesta sexta-feira evidencia a fragilidade na fiscalização de atividades potencialmente poluentes em áreas protegidas, além de levantar questionamentos sobre a responsabilidade ambiental de empresas que atuam em obras públicas ou privadas nas franjas das unidades de conservação.
O que diz a legislação ambiental brasileira
De acordo com a Resolução Conama nº 316/2002, atividades de incineração de resíduos perigosos — incluindo derivados de petróleo — devem obedecer a critérios técnicos de controle térmico, monitoramento de emissão atmosférica e licenciamento prévio. Já a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) estabelece penas de até cinco anos de reclusão e multa para quem provocar poluição de qualquer natureza que cause danos à saúde humana ou ao meio ambiente.
A ANP, por sua vez, regula a manipulação e o descarte de resíduos de asfalto e seus derivados, exigindo plano de gerenciamento e destinação adequada conforme as normas técnicas da ABNT.
Desdobramentos esperados
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Aparecida de Goiânia informou que enviou equipe ao local para lavratura de auto de infração e abertura de processo administrativo. Dependendo da gravidade constatada e do histórico da empresa, poderão ser aplicadas sanções administrativas, como embargo de obras e interdição temporária.
A Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público de Goiás poderá ser acionada para apurar a ocorrência sob a perspectiva penal e civil, principalmente se houver contaminação do solo ou danos à vegetação.
O episódio ocorrido nas imediações da Serra da Areia vai além de um incêndio pontual. Ele expõe lacunas no licenciamento, práticas arcaicas de manipulação de resíduos e o enfraquecimento dos mecanismos de proteção ambiental em áreas urbanas de expansão acelerada. A resposta das autoridades será determinante não apenas para punir os responsáveis, mas também para reafirmar os limites legais da ação empresarial sobre o território ambientalmente sensível de Goiás.
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