Incêndio em lixão de Piracanjuba avança sobre fazendas e escancara colapso ambiental: “Nós avisamos tanto”, desabafa moradora
Chamas que se alastraram pela vegetação atingiram a entrada de uma propriedade rural às margens da GO-147; fogo teria origem em focos subterrâneos não controlados há meses. Prefeita reconhece problema histórico e promete nova área de descarte ainda em 2025.
O avanço das chamas sobre plantações e pastagens às margens da GO-147, no município de Piracanjuba, sul de Goiás, expôs com dramaticidade o descaso histórico com o manejo de resíduos sólidos na cidade. Nesta segunda-feira (23), um incêndio de grandes proporções iniciado no lixão municipal cruzou a rodovia estadual e atingiu a entrada da fazenda da agricultora Maria Gonçalves, de 63 anos, que vive na região há mais de duas décadas.
“Nós avisamos tanto, pedimos tanto”, lamenta Maria, ofegante, em um vídeo gravado pela família no momento em que as labaredas se aproximavam de sua lavoura de milho.
As imagens, compartilhadas com a imprensa, mostram produtores rurais da vizinhança utilizando baldes e pás para conter o fogo que avançava velozmente, em meio ao mato seco e aos ventos fortes da estação. A filha da moradora, Angelita Gonçalves, relatou que não houve envio imediato de caminhão-pipa da prefeitura, e o combate emergencial ficou a cargo dos próprios moradores da zona rural.
“O fogo pulou o asfalto e entrou pelo corredor da fazenda. Tivemos que chamar os vizinhos, porque senão o estrago seria ainda maior. A fumaça é constante, está fazendo mal pra todo mundo”, relatou Angelita.
Problema antigo, solução adiada
Segundo o Corpo de Bombeiros Militar de Goiás, o lixão de Piracanjuba registra incêndios recorrentes há pelo menos seis meses, com focos subterrâneos ativos que dificultam o controle total das queimadas, mesmo após o combate aparente das chamas superficiais.
A prefeita do município, Lenízia Canedo (PP), reconheceu que se trata de um problema estrutural e antigo, herdado de gestões anteriores, e informou que um novo projeto para descarte controlado de resíduos está em fase final de planejamento.
“Estamos trabalhando com caminhões-pipa, tratores e pás mecânicas em parceria com o Corpo de Bombeiros. Mas sabemos que é uma medida paliativa. Nosso projeto para uma nova área de transbordo de resíduos sólidos deve ser implantado ainda este ano”, afirmou a prefeita.
Apesar da promessa, não há ainda um cronograma oficial divulgado para a desativação definitiva do atual lixão, que opera sem licença ambiental e em desacordo com as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010).
Impacto na saúde e no meio ambiente
A queimada no lixão não afeta apenas o entorno imediato. A propagação de fumaça densa e tóxica tem sido denunciada por moradores da zona urbana e rural, com relatos de agravamento de doenças respiratórias, especialmente entre idosos e crianças.
A Vigilância Sanitária Municipal informou que tem monitorado os efeitos da fumaça, mas não possui estrutura para atendimento sistemático das vítimas da poluição atmosférica gerada pelo lixão. Entidades ambientais regionais, como o Instituto Cerrado Vivo, alertam para os danos ao solo, lençóis freáticos e à biodiversidade da região, que está inserida no bioma do Cerrado, altamente sensível ao fogo.
Situação de risco contínuo
Nesta quarta-feira (25), novos focos de incêndio foram registrados nas proximidades do mesmo lixão, indicando que o combate anterior não foi suficiente para extinguir completamente os focos subterrâneos. Maria Gonçalves voltou ao local e gravou mais vídeos mostrando as brasas ativas no solo seco e rachado.
Especialistas alertam que áreas de descarte irregular com alto volume de material orgânico e plástico tendem a manter combustão interna mesmo sem chamas visíveis, podendo reacender a qualquer momento.
Responsabilidade compartilhada e ausência de fiscalização
A situação de Piracanjuba evidencia uma falência sistêmica da gestão de resíduos em pequenos e médios municípios do interior goiano, onde lixões a céu aberto ainda persistem, mesmo após o prazo de extinção estabelecido pela legislação federal, expirado em 2014. A ausência de consórcios regionais, incentivo técnico e fiscalização rigorosa por parte do Estado tem contribuído para a permanência desses passivos ambientais.
Consultada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que acompanha a situação por meio de relatórios enviados pela prefeitura, mas não confirmou nenhuma ação direta ou autuação recente relacionada ao lixão de Piracanjuba.
O que está em jogo
Além do prejuízo ambiental e da ameaça à agricultura familiar, o caso de Piracanjuba lança luz sobre um problema crônico e invisibilizado do Brasil rural: a gestão inadequada do lixo em municípios que não têm estrutura técnica nem recursos para implementar soluções sustentáveis sem apoio estadual ou federal.
Enquanto isso, vidas e lavouras seguem em risco, como resume Angelita:
“A gente planta, cuida, trabalha… E o que volta é fumaça, descaso e medo.”
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