Corte de Árvores na Marginal Botafogo Gera Crise Ambiental e Jurídica em Goiânia
Denúncias de desmatamento irregular motivam investigações do Ministério Público e da Dema; Comurg é acusada de extrapolar laudos técnicos e pode responder por improbidade administrativa e dano ambiental

O desmonte da vegetação da Marginal Botafogo, em Goiânia, transformou uma ação de limpeza e prevenção de alagamentos em uma crise institucional, envolvendo possíveis crimes ambientais, violações administrativas e disputas entre órgãos públicos. A Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) é alvo de representações no Ministério Público de Goiás (MP-GO) e na Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), após denúncias de que teria excedido os limites técnicos autorizados para a poda e remoção de árvores na região.
A operação foi deflagrada oficialmente para retirar leucenas (espécie exótica considerada invasora e com galhos frágeis), além de exemplares mortos ou em fim de ciclo de vida. O parecer da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) autorizava ações pontuais com base em critérios técnicos claros: segurança urbana e prevenção de obstruções no curso do Córrego Botafogo, especialmente em período chuvoso.
Contudo, imagens divulgadas por moradores e reportagens de campo revelaram que a ação foi muito além do previsto. Árvores nativas, viçosas e frondosas foram removidas, gerando indignação pública e a imediata reação da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal de Goiânia, presidida pela vereadora Kátia Maria (PT). A parlamentar protocolou, na sexta-feira (6), denúncia junto à Polícia Civil e uma representação formal no MP-GO, alegando crime ambiental e improbidade administrativa.
“A cidade perdeu sombra, perdeu vida, e tudo isso em desacordo com a legislação ambiental e com os próprios laudos técnicos da Amma. É preciso apurar com rigor e responsabilizar os envolvidos”, declarou a vereadora à imprensa.
Ela ainda requereu à Dema a realização de perícia ambiental na via e a oitiva de todos os responsáveis pela execução e fiscalização da operação.
MP-GO e Dema apuram possíveis excessos
A representação contra a Comurg foi inicialmente encaminhada à 15ª Promotoria de Justiça, mas, por deliberação interna, está sob responsabilidade da 81ª Promotoria, especializada em meio ambiente urbano. Segundo o promotor Juliano de Barros Araújo, um procedimento investigatório preliminar foi instaurado para averiguar a extensão do dano ambiental e verificar se houve violação aos princípios da legalidade e moralidade, o que pode configurar ato de improbidade administrativa.
Já o titular da Dema, delegado Luziano de Carvalho, afirmou que esteve pessoalmente na Marginal Botafogo e constatou a “retirada quase total” da vegetação ao longo da via. Embora tenha ponderado que não vê, por ora, configuração de crime ambiental, ele sinalizou a abertura de uma investigação formal.
“Pode ter dano ambiental, mas não vejo crime. As árvores na margem arrebentam a laje do canal. Isso não significa que o serviço possa ser feito sem critério técnico. É preciso apurar com calma”, explicou o delegado.
Amma e Comurg divergem sobre conduta e prazos
Em nota oficial, a Agência Municipal do Meio Ambiente informou que requisitou à Comurg um relatório completo sobre o serviço executado. Caso se confirme a retirada indevida de espécies, a agência afirma que exigirá plantio compensatório em proporção adequada.
A Comurg, por sua vez, declarou que apenas apresentará o relatório técnico ao fim da execução do serviço — o que, segundo a companhia, está previsto para ocorrer “na próxima semana”. Procurada para comentar as investigações em curso e as denúncias apresentadas, a companhia não havia se manifestado até o fechamento desta reportagem.
Especialistas criticam ausência de transparência
Ambientalistas e urbanistas locais alertam que o episódio reflete falhas recorrentes na política ambiental de Goiânia. Para o biólogo e professor da UFG, Edvaldo Gomes, o problema não está apenas na retirada das árvores, mas na condução do processo.
“A cidade está envelhecendo mal em termos de arborização. Há falta de planejamento, de comunicação com a sociedade e de sensibilidade ambiental. Árvores não são obstáculo, são solução urbana. A Marginal Botafogo virou símbolo de como não fazer manejo ambiental”, afirmou.
Cenário se repete em outras capitais
A controvérsia em Goiânia não é isolada. Cidades como São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre têm enfrentado críticas semelhantes por ações de poda ou retirada de árvores feitas sem transparência, com impacto na qualidade de vida urbana e no microclima local. O tema ganha relevância em um contexto de mudanças climáticas, em que as cidades precisam cada vez mais preservar áreas verdes como forma de mitigar ondas de calor e eventos extremos.
Entre erros e omissões, perde o cidadão
Enquanto a apuração das responsabilidades prossegue, o que já está claro é que Goiânia perdeu — e muito. Perdeu árvores maduras que levavam décadas para se formar. Perdeu sombra, biodiversidade e qualidade do ar. E, sobretudo, perdeu mais uma chance de demonstrar que é possível conciliar urbanismo, segurança e sustentabilidade com respeito à lei e ao cidadão.
A cidade precisa de respostas. E a sociedade, de vigilância constante para garantir que a promessa de uma capital mais verde não continue sendo arrancada tronco a tronco.
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