Câmara de Goiânia trava projeto da Educação e exige respeito: tensão entre vereadores e secretaria expõe crise de diálogo
Pedido de vistas adia mudança polêmica na escolha de diretores escolares; vereadores acusam secretária de Educação de descaso com demandas e denunciam tentativa de politização na gestão das escolas.

A crise entre o Legislativo de Goiânia e a Secretaria Municipal de Educação (SME) chegou a um novo ápice nesta quarta-feira (4), quando a Câmara interrompeu a votação do projeto de lei complementar que altera profundamente o modelo de escolha dos diretores das escolas municipais. O pedido de vistas, feito pela mesa diretora, adiou por até dez dias a deliberação final sobre a proposta, que é de autoria do Executivo. No entanto, o que está em jogo vai além do texto legislativo: trata-se de um embate direto por respeito institucional, acesso e poder decisório na educação pública da capital.
A votação estava prevista para ocorrer em segundo turno e de forma definitiva. No entanto, o clima esquentou após diversos vereadores denunciarem publicamente a ausência de diálogo com a titular da SME, Giselle Faria. Os parlamentares alegam que estão sendo sistematicamente ignorados quando buscam audiências ou soluções para demandas concretas da população — especialmente relacionadas a alunos com deficiência, estrutura precária nas escolas e ausência de profissionais de apoio.
“O secretário tem que atender vereador. Secretário está lá para servir ao povo, por meio dos representantes que o povo elegeu. Se não atende, vai ser convocado”, disparou o presidente da Casa, Romário Policarpo (PRD), que articulou o pedido de vistas ao lado dos vereadores Henrique Alves (MDB) e Anselmo Pereira (MDB).
Acusações graves e ameaças de rompimento com a base
O momento mais tenso da sessão veio com o discurso inflamado do vereador Pedro Azulão Jr. (MDB), que acusou a secretária Giselle Faria de ignorar mensagens com pedidos urgentes. “A secretária teve a cara de pau de visualizar a mensagem e não responder. Se não dá conta, peça para sair”, vociferou. Ele relatou ter solicitado, sem resposta, a designação de apoio para uma criança com autismo e a instalação de uma cadeira adaptada para estudante com deficiência.
Azulão ainda subiu o tom ao ameaçar romper com a base do prefeito Sandro Mabel (UB), caso o Executivo continue a tratar os parlamentares como “mero apoio para aprovar projetos de interesse próprio”. “Quero ver se vão procurar a oposição para votar isso aqui”, ironizou.
Vereadores como Rose Cruvinel (UB) e Ronilson Reis (SD) corroboraram a queixa de que a SME tem se esquivado de responder ofícios e mensagens.
A SME, em nota oficial, afirmou manter “diálogo constante com o Legislativo” e destacou que vereadores são recebidos semanalmente. No entanto, admitiu que a audiência solicitada por Azulão só foi marcada na manhã da quarta-feira — depois da repercussão negativa no plenário.
Projeto divide opiniões e é acusado de abrir brecha para aparelhamento político
O texto do projeto de lei complementar altera significativamente o modelo atual de gestão democrática nas escolas municipais. Hoje, os diretores são escolhidos por meio de eleição direta, com direito a voto de professores, servidores administrativos, pais e estudantes com 12 anos ou mais. A proposta do Executivo, no entanto, restringe a votação aos trabalhadores da unidade escolar, criando um processo seletivo com voto secreto e exigência de formação específica.
A base do texto ainda prevê a possibilidade de destituição do cargo por má gestão, improbidade ou não cumprimento de metas no primeiro ano — o que gerou críticas contundentes de parlamentares da oposição. A vereadora Kátia Maria (PT) classificou a proposta como uma tentativa de “criminalizar diretores eleitos pela comunidade” e apontou risco de perseguição política e enfraquecimento da autonomia escolar.
A parlamentar denunciou a inclusão de uma emenda “jabuti” — sem relação com o teor original — proposta pelo vereador Wellington Bessa (DC), que revogaria a Lei nº 8.739/2008, responsável por regulamentar convênios com entidades privadas na área da educação. A revogação, segundo Kátia e Aava Santiago (PSDB), abriria margem para terceirizações e convênios pouco transparentes.
“O que está por trás disso é o desejo de desmontar a gestão democrática e facilitar a nomeação política de diretores alinhados ao Executivo. Estamos vendo um desmonte programado da Educação pública”, afirmou Kátia.
Embate institucional: mais que uma crise, uma disputa por protagonismo
O episódio escancara não apenas um conflito administrativo, mas um confronto entre visões sobre o papel do Legislativo e o controle da política educacional em Goiânia. Policarpo foi enfático ao afirmar que o respeito entre os Poderes é essencial para a governabilidade: “Ser base não é ser funcionário. Não estamos aqui para bater palmas, estamos para fiscalizar e propor”.
Por trás da tensão, há um pano de fundo mais amplo: a disputa por influência nas escolas municipais, um dos principais espaços de atuação social e política nas periferias urbanas. A escolha dos diretores, portanto, não é apenas um debate técnico-administrativo, mas político em essência.
Ainda sem data para nova votação, o projeto volta à gaveta temporariamente — mas o ruído gerado pela condução da SME já impôs desgaste ao Paço Municipal, abriu fissuras na base do prefeito e fortaleceu a pressão por mudanças na relação entre Executivo e Legislativo.
Enquanto isso, a comunidade escolar e a população esperam que o debate volte ao centro da pauta: uma educação pública democrática, transparente e comprometida com a equidade — e não com jogos de poder.
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