MP-GO pede anulação de parcerias rodoviárias de R$ 327 milhões por suspeita de irregularidades e sobrepreço
Promotores apontam burla à licitação e falhas no modelo de obras financiadas com recursos do Fundeinfra, adotado pelo governo de Goiás em parceria com cooperativas e empresas privadas.

O Ministério Público de Goiás (MP-GO) ingressou com uma ação civil pública pedindo a anulação de parcerias firmadas pelo governo estadual com a iniciativa privada, no valor de R$ 327,9 milhões, para execução de obras rodoviárias no Sudoeste goiano. O pedido envolve a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo) e a empresa Cereal Comércio Exportação e Representação Agropecuária, que receberam autorizações para realizar intervenções em três trechos de rodovias financiadas com recursos do Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra).
A ação, protocolada na Vara das Fazendas Públicas e Ambientais de Rio Verde, é assinada por dez promotores de Justiça e fundamenta-se em indícios de sobrepreço, ausência de licitação e fragilidades na execução contratual. O MP pede, ainda, bloqueio cautelar de R$ 12,36 milhões em bens das empresas envolvidas, valor que corresponderia à suposta margem de lucro obtida nas obras.
Segundo os promotores, o modelo de parceria implantado pelo governo — em que empresas e cooperativas custeiam obras em troca de créditos tributários do Fundeinfra — cria uma estrutura paralela de contratação pública, sem observância dos princípios constitucionais de legalidade, publicidade, impessoalidade, eficiência e moralidade.
“Há evidente triangularização do processo de contratação, na qual o contribuinte do Fundeinfra executa obras públicas com recursos públicos, sem licitação ou critérios objetivos de escolha, burlando o dever constitucional de licitar”, sustenta o MP-GO na ação.
Modelo sob contestação
O Fundeinfra, criado em 2022 pela Lei Estadual nº 21.670, é alimentado pela chamada taxa do agro, que incide sobre o escoamento de grãos, carnes e outros produtos agropecuários. Desde sua criação, o fundo já arrecadou cerca de R$ 2,9 bilhões, destinados a financiar obras de infraestrutura e logística em Goiás.
O formato das parcerias, contudo, vem sendo alvo de contestações judiciais. Além da nova ação do MP-GO em Rio Verde, o modelo é questionado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outra ação civil pública no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), que resultaram em decisões liminares restringindo novos contratos, mas permitindo a continuidade dos termos já assinados.
No caso de Rio Verde, as suspeitas se concentram nas parcerias com a Comigo, que firmou dois termos de compromisso — um de R$ 173,4 milhões para duplicação, pavimentação e construção de um viaduto no anel viário e no acesso à Tecnoshow, e outro de R$ 63,3 milhões para duplicação da GO-210. Já a Cereal foi contratada para a pavimentação da GO-401, entre Rio Verde e Quirinópolis, com valor de R$ 91 milhões.
Os promotores afirmam que não houve processo competitivo para seleção das executoras e que as contratadas atuaram apenas como intermediárias, repassando a terceiros a responsabilidade pelas obras. “O modelo permite que particulares escolham as empresas e conduzam as contratações com recursos públicos, sem qualquer controle ou transparência”, sustentam.
Irregularidades e questionamentos
A ação menciona aumento indevido de custos, alterações de projetos após aprovação pelo Conselho do Fundeinfra, ausência de previsão orçamentária e fragilidade nos mecanismos de fiscalização. O MP também destaca que o modelo resulta em renúncia fiscal disfarçada, pois os contribuintes deixam de recolher valores que seriam destinados ao fundo, compensando-os por meio da execução das obras.
“Esse regime de compensação implica renúncia de receita e criação de despesa pública à margem do orçamento, sem planejamento ou transparência”, afirmam os promotores.
Outro ponto de destaque é a falta de acesso do MP a documentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-GO) sobre as obras. Os promotores relatam que o tribunal não atendeu às requisições de cópia dos processos de fiscalização, o que, segundo a ação, prejudica a apuração das irregularidades. O TCE-GO teria admitido a existência de falhas técnicas em trechos vistoriados, com necessidade de refazer partes das obras.
Defesas e repercussão
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-GO) informou, por meio de nota, que adotará as medidas cabíveis após ser formalmente intimada. Já a Comigo declarou que não se manifestará sobre o caso, enquanto o Grupo Cereal não respondeu aos pedidos de posicionamento. O TCE-GO, por sua vez, afirmou não ter conseguido contato com o conselheiro relator responsável pelos processos citados.
Fontes ligadas ao governo afirmam que o modelo do Fundeinfra tem como objetivo agilizar a execução de obras estruturantes e descentralizar investimentos, permitindo que o próprio setor produtivo participe da expansão da malha viária estadual. No entanto, juristas e técnicos da área de contas públicas alertam que o formato requer revisão de governança e transparência, especialmente por envolver compensações financeiras fora do orçamento tradicional.
A ação segue sob análise da Justiça de Rio Verde, que poderá determinar bloqueios cautelares e auditorias independentes para apurar os contratos. Caso as irregularidades sejam confirmadas, os termos poderão ser anulados, e os valores, devolvidos aos cofres públicos.
Tags: #MPGO #Fundeinfra #Comigo #GrupoCereal #RonaldoCaiado #ObrasRodoviárias #Infraestrutura #Goiás #Sobrepreço #AçãoCivilPública #Licitação #TCEGO #MinistérioPúblico #GestãoPública #EconomiaGoiana

