Saúde de Goiânia anula convênio de R$ 15 milhões com Instituto Vital após alerta do TCM
Tribunal aponta falhas graves e indícios de favorecimento em contrato firmado na gestão Rogério Cruz; instituto ligado a emendas de vereadores teve origem controversa e pouca transparência nos serviços ofertados

Um convênio de R$ 15 milhões assinado entre a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) e o Instituto Jasy/Vital, organização da sociedade civil (OSC) de atuação recente e trajetória obscura, foi oficialmente revogado nesta segunda-feira (26/05) por ordem expressa do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO). A decisão acontece após meses de investigações, denúncias sobre ausência de critérios técnicos e suspeitas de direcionamento político no uso de recursos públicos.
Firmado em agosto de 2023, durante a gestão do ex-prefeito Rogério Cruz (Solidariedade), o acordo previa a execução do programa “SUS em Ação – Unidades Móveis de Saúde”, com promessas de exames, consultas e pequenas cirurgias realizadas em carretas estacionadas em bairros da capital. Mas a falta de critérios mínimos, como detalhamento de metas e custos individualizados, levou o Ministério Público de Contas (MPC) a apontar ao menos sete graves irregularidades.
A determinação do TCM deu prazo de cinco dias para que o atual secretário municipal de Saúde, Luiz Pellizzer, anulasse o contrato. “O plano de trabalho é incompleto, não define quantidade de atendimentos diários, nem comprova compatibilidade com valores de mercado”, destacou o conselheiro-relator Fabrício Motta. O tribunal ainda apontou ausência de processo seletivo, falha nas certidões de regularidade da entidade, e valores “excessivos e desarrazoados”.
Apesar da anulação, o Instituto Vital já havia recebido, no ano passado, R$ 2,8 milhões por meio de emendas parlamentares — recursos públicos indicados diretamente por vereadores para a mesma finalidade das carretas de saúde. Para 2025, o valor previsto em emendas mais que dobra: R$ 6,66 milhões. O presidente da Câmara, Romário Policarpo (PRD), foi o principal responsável pelos repasses à entidade, destinando R$ 2,08 milhões só em 2023.
O caso expõe uma brecha legal: enquanto o TCM-GO impede o convênio institucional, os chamados “termos de fomento” via emendas parlamentares continuam permitidos — mesmo com a entidade sob suspeita.
Origem nebulosa e estrutura duvidosa
Criado formalmente em maio de 2023, o Instituto Vital surgiu após apropriação do CNPJ de uma antiga entidade educacional de Sorocaba (SP), antes chamada de NOA. A mudança de nome para “Jasy”, e em seguida “Vital”, permitiu à OSC apresentar-se como experiente e qualificada, mesmo sem comprovação de histórico na área da saúde.
A entidade passou a atuar em Goiânia com base em um modelo de atendimento itinerante, com estruturas móveis para exames e cirurgias de baixa complexidade. O ex-secretário Wilson Pollara — que atuou brevemente na capital goiana após deixar o cargo na SMS de São Paulo, e chegou a ser preso por suspeita de irregularidades — defendia o uso das carretas como forma de reduzir filas e alcançar comunidades carentes. No entanto, não houve qualquer estudo técnico apresentado pela gestão que justificasse o investimento bilionário nesse modelo.
O contrato com a SMS previa pagamento em duas parcelas: R$ 5 milhões iniciais e os R$ 10 milhões restantes 30 dias depois. O plano estabelecia três eixos de atuação — com foco em mulheres, estudantes e exames oftalmológicos —, mas não detalhava quantas carretas seriam usadas, quantos profissionais estariam disponíveis, nem a previsão de atendimentos por dia. Em setembro, o contrato foi suspenso preventivamente pela gestão Pellizzer, após as primeiras denúncias virem à tona.
Pressão política e legislação afrouxada
Enquanto isso, a Câmara de Goiânia trabalha nos bastidores para facilitar a destinação de recursos às OSCs da saúde. Nesta mesma segunda-feira (26), o prefeito Sandro Mabel (União Brasil) sancionou uma nova legislação proposta pelos vereadores que retira a obrigatoriedade de cadastro das entidades no Sistema Único de Saúde (SUS), afrouxando controles e abrindo espaço para futuras manobras. A promessa do Paço é que uma regulamentação específica da saúde será feita posteriormente, mas o ambiente de desconfiança permanece.
Para o professor e especialista em Administração Pública Daniel Oliveira, da UFG, “o caso do Instituto Vital revela um sintoma de um sistema político que usa OSCs como canais de favorecimento, em vez de soluções reais para a saúde pública. Falta transparência, planejamento e, principalmente, controle social sobre esses contratos”.
Impacto político e reputacional
O episódio atinge diretamente lideranças da legislatura atual e põe em xeque os critérios de indicação de recursos parlamentares, bem como a fiscalização da própria SMS. A revogação do convênio, embora tardia, impede a sangria de mais recursos públicos, mas não reverte os milhões já direcionados por emendas.
O caso também deve reforçar a necessidade de reformulação na política de convênios com organizações da sociedade civil em áreas sensíveis como saúde, educação e assistência social. Fontes do TCM-GO confirmam que outras entidades estão sob escrutínio.
Quadro de Emendas Parlamentares para o Instituto Jasy/Vital Saúde (OSC)
Fonte: Lei Orçamentária Anual de Goiânia (2024 e 2025) e Portal da Transparência da Prefeitura de Goiânia
Ano de 2024
Vereador | Partido | Valor da Emenda | Valor Pago |
---|---|---|---|
Romário Policarpo | PRD | R$ 2.008.406,29 | R$ 2.008.406,29 |
Anderson Sales Bokão | MDB | R$ 400.000,00 | R$ 400.000,00 |
Isaías Ribeiro | Republicanos | R$ 200.000,00 | R$ 200.000,00 |
Kleybe Morais | MDB | R$ 200.000,00 | R$ 200.000,00 |
Joazinho Guimarães | – | R$ 200.000,00 | R$ 0,00 ()* |
Total 2024: R$ 3.008.406,29 em emendas | R$ 2.808.406,29 pagos
(*) Houve empenho, mas não houve pagamento
Ano de 2025 (Valores previstos)
Vereador | Partido | Valor da Emenda |
---|---|---|
Lucilúcia do Recanto | MDB | R$ 1.100.000,00 |
Anderson Sales Bokão | MDB | R$ 1.000.000,00 |
Sabrina Garcêz | Republicanos | R$ 1.000.000,00 |
Cabo Sena | PRD | R$ 966.853,23 |
Anselmo Pereira | MDB | R$ 866.853,23 |
Izídio Alves | DC | R$ 816.853,23 |
Leandro Sena | SD | R$ 500.000,00 |
Romário Policarpo | PRD | R$ 416.853,23 |
Total 2025: R$ 6.667.412,92 previstos
Mais do que um escândalo isolado, a história do Instituto Vital reflete um problema sistêmico de gestão pública em Goiânia. A mistura de interesses políticos, OSCs recém-criadas e contratos milionários com baixo controle técnico precisa de resposta firme — do controle externo, do Ministério Público e da sociedade civil. Até lá, o risco permanece: saúde pública usada como moeda eleitoral, à revelia do interesse coletivo.
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