Pressão e recuos: Prefeitura de Goiânia decide manter urgência na Maternidade Célia Câmara após crise e auditoria federal
Plano de trabalho que excluía o atendimento emergencial será revisto. Ampliação de UTIs neonatais e impasse na precificação dos serviços com a Fundahc estão no centro das tensões. Auditoria federal apura possível desvio de verbas.

A Prefeitura de Goiânia voltou atrás e decidiu manter o atendimento de urgência no Hospital Municipal da Mulher e Maternidade Célia Câmara (HMMCC), após semanas de tensões, protestos de profissionais e início de auditoria federal. A exclusão do serviço, que constava no plano de trabalho inicialmente proposto pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), foi duramente criticada por conselheiros de saúde, especialistas e parlamentares.
Segundo a superintendente de Regulação, Avaliação e Controle da SMS, Paula dos Santos Pereira, o plano será reformulado para preservar o funcionamento da urgência, com médicos obstetras e pediatras permanecendo em atuação. Além disso, está em avaliação a ampliação do número de leitos de UTI neonatal, hoje limitados a 10 e constantemente lotados. A proposta é dobrar a capacidade para 20 leitos.
“O novo plano ainda está sob avaliação da Fundahc para definição dos custos”, afirmou Paula Pereira, referindo-se à ampliação dos leitos. O contrato emergencial com a fundação, no valor de R$ 12,3 milhões mensais, teve validade estabelecida em 120 dias, após aprovação da Resolução nº 205 do Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Corte de verbas e queda de serviços geraram revolta
O plano de trabalho enviado inicialmente ao CMS previa o encerramento da urgência e a redução drástica de enfermarias de cuidados obstétricos e neonatais (Ucons), que cairiam de 46 para 10. Essa proposta foi devolvida com diversos questionamentos.
Desde o segundo semestre de 2024, com o agravamento da crise financeira da SMS e dívidas milionárias, os atendimentos eletivos foram suspensos nas maternidades da capital. No HMMCC, parte dos leitos de UTI adulto e neonatal chegou a ser reativada, mas voltou a ser desativada no início de 2025. Atualmente, operam apenas 10 leitos de UTI adulto e 10 de neonatal. Outros 10 leitos, destinados à regulação interna, foram encerrados por baixa ocupação, segundo a SMS.
Conflito de custos trava negociações com a Fundahc
A principal disputa entre Prefeitura e Fundahc gira em torno da precificação dos leitos e serviços. A SMS contesta os valores apresentados pela fundação, alegando que estão acima das tabelas de referência utilizadas por operadoras privadas e empresas como a Planisa.
“Nos passam um valor total e ainda cobram por insumos e órteses que deveriam estar embutidos. Isso distorce o custo real”, critica Paula dos Santos Pereira.
Apesar do novo contrato emergencial fixar o valor mensal em R$ 12,3 milhões, a Prefeitura pagou R$ 15,3 milhões em abril, segundo o Portal da Transparência. O secretário Luiz Pellizzer defende que os repasses sejam feitos proporcionalmente à produtividade da Fundahc, baseada nos dados de 2022 e 2023.
A Fundahc, por sua vez, tem reiterado que a falta de repasses integrais compromete o alcance das metas exigidas pela SMS. Procurada, a fundação não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta matéria.
Auditoria do Ministério da Saúde e suspeitas de irregularidades
A situação da Célia Câmara — e das demais maternidades públicas da capital — levou o Ministério da Saúde, via Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS), a iniciar uma inspeção nas unidades. A auditoria foi provocada por um ofício da vereadora Aava Santiago (PSDB), que denunciou a descontinuidade de atendimentos e a subutilização de estruturas.
Durante visita técnica ao HMMCC nesta semana, o diretor do DenaSUS, Rafael Bruxellas, apontou que a unidade opera com apenas 40% da capacidade, com equipamentos ociosos e leitos inativos. O Hospital Dona Iris, ao contrário, enfrenta sobrecarga de atendimentos.
Bruxellas destacou a necessidade de apurar possíveis desvios de recursos federais, que aumentaram significativamente nos últimos anos: de R$ 578,5 milhões em 2022 para R$ 689,4 milhões em 2024.
“Queremos entender se esses valores estão sendo realmente aplicados nas maternidades. Essa é nossa maior preocupação”, disse Bruxellas.
O secretário Luiz Pellizzer criticou o recorte da auditoria, que focará apenas em 2025, e solicitou que o DenaSUS inclua os exercícios de 2023 e 2024, quando a secretaria foi comandada por Durval Pedroso e Wilson Pollara. Segundo ele, é nesse período que há indícios mais claros de má gestão.
Situação das outras maternidades ainda é incerta
Os planos de trabalho das outras duas maternidades também estão sob análise. O CMS reprovou o plano da Maternidade Nascer Cidadão, por prever cortes como a redução de leitos cirúrgicos. Já o documento da Maternidade Dona Iris está sendo revisado com base em questionamentos do conselho.
Mesmo em cenário de cortes, os ambulatórios voltaram a oferecer, ainda que de forma limitada, serviços de pré-natal, mastologia e acompanhamento de recém-nascidos.
A previsão da SMS é de que os novos planos de trabalho sejam aprovados nas próximas semanas — três meses após a expectativa inicial, que era fevereiro.
A crise na rede materno-infantil de Goiânia escancara os desafios enfrentados por uma gestão que tenta equilibrar finanças públicas com a manutenção de serviços essenciais. A pressão popular, a atuação do Conselho de Saúde e a chegada da auditoria federal parecem ter sido determinantes para o recuo da Prefeitura e a preservação de serviços de urgência na Maternidade Célia Câmara — ao menos por ora.
Enquanto isso, a população segue à espera de respostas mais definitivas. E o sistema de saúde municipal, no limite da capacidade, segue pendendo entre a sobrecarga e a subutilização.
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