Paço articula empréstimo de R$ 132 milhões para digitalização e IA e reacende debate sobre governança e custos
Gestão municipal busca aval da Câmara para financiamento do BNDES destinado à modernização tecnológica; especialistas alertam para lacunas no detalhamento, riscos de repetição de projetos fracassados e fragilidades de governança

A Prefeitura de Goiânia avança nas articulações políticas para contratar um empréstimo de R$ 132 milhões junto ao BNDES, com a justificativa de promover uma ampla transformação digital da administração municipal, incluindo a integração de sistemas, a digitalização de serviços e a implantação de soluções de inteligência artificial no atendimento ao cidadão. O plano, defendido pela gestão do prefeito Sandro Mabel (União Brasil), está em análise na Câmara Municipal e tem gerado questionamentos técnicos e fiscais sobre escopo, custos e efetividade.
No centro da proposta está a criação de um portal único de serviços, acompanhado de um aplicativo e de uma IA institucional batizada de “GoiânIA”, que, segundo o Paço, deverá reduzir filas, automatizar demandas e reorganizar a relação entre cidadão e Prefeitura. O discurso oficial sustenta que a iniciativa é imprescindível diante de um parque tecnológico descrito como obsoleto, sem capacidade de processamento, armazenamento e segurança para sustentar serviços digitais contemporâneos.
O secretário municipal de Inovação e Transformação Digital, Fábio Christino, afirma que o município enfrenta um quadro crítico, resultado de anos sem investimentos estruturantes. Segundo ele, decisões fragmentadas em gestões anteriores comprometeram a integração dos sistemas e produziram um ambiente “sucateado”, no qual a administração atua apenas para evitar a paralisação dos serviços. A estratégia apresentada prevê atuação simultânea em quatro frentes: infraestrutura tecnológica, governança e qualidade de dados, integração de sistemas e plataformas digitais voltadas ao cidadão.
Entre as entregas anunciadas está o lançamento, já a partir de janeiro, de um portal que concentraria dezenas de serviços hoje dispersos ou presenciais, como solicitações urbanas, atendimentos administrativos e tributos. A expansão, no entanto, dependeria diretamente da ampliação da capacidade computacional do município, incluindo data center, redes, fibra óptica e segurança da informação, além de programas de capacitação de servidores e ações de letramento digital da população.
O prefeito Sandro Mabel sustenta que a digitalização também é estratégica para reforçar o controle fiscal e ampliar a arrecadação, por meio do cruzamento de dados e do uso de IA para identificar inconsistências tributárias. Para ele, a ausência de informações consolidadas inviabilizou decisões qualificadas no passado. A proposta, segundo o prefeito, segue um modelo “centrado no cidadão”, prometendo resolver demandas “com poucos cliques”.
Apesar da narrativa de modernização, especialistas em gestão pública veem fragilidades no projeto apresentado ao Legislativo.

Para André Tomazetti, presidente do Centro de Excelência em Gestão Pública, o plano carece de detalhamento técnico, metas verificáveis e indicadores claros de desempenho. Ele aponta semelhanças com iniciativas anteriores anunciadas como estruturantes — como o Atende Fácil e o Prefeitura 24 Horas — que consumiram recursos sem se consolidar. “O problema histórico da Prefeitura não é tecnologia, é processo e governança”, avalia.
Tomazetti destaca que a administração pública frequentemente adota novas plataformas sem redesenhar fluxos internos, o que resulta na digitalização de práticas analógicas, com impressões, carimbos e retrabalho. Nesse cenário, a tecnologia tende a ampliar gargalos, em vez de resolvê-los. O risco, segundo ele, é contrair um financiamento elevado sem atacar as causas estruturais da ineficiência administrativa.
A gestão municipal rebate as críticas afirmando que o investimento é necessário para evitar um colapso operacional e recuperar um atraso tecnológico acumulado. Christino compara a situação da Prefeitura a um equipamento ultrapassado, incapaz de suportar novas aplicações sem a troca de componentes essenciais.
O pedido de empréstimo ainda precisa superar as etapas legislativas na Câmara de Goiânia e a análise técnica do BNDES. Caso aprovado, o Paço projeta iniciar as contratações no primeiro semestre de 2026. Até lá, o debate segue marcado por uma tensão recorrente na administração pública: o equilíbrio entre inovação, responsabilidade fiscal e capacidade real de execução.
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