Operação em Goiânia aborda monitorados eletrônicos e levanta debate sobre limites da ação municipal
Iniciativa do prefeito Sandro Mabel, que prevê “tolerância zero” a pessoas com tornozeleira fora do trabalho, é criticada por juristas, OAB-GO e Defensoria Pública por violar princípios constitucionais e competência judicial
A primeira fase da Operação Saturação/Integração, conduzida pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) em conjunto com a Polícia Penal de Goiás, resultou na abordagem de 40 pessoas sob monitoramento eletrônico em Goiânia, nesta segunda-feira (20). A ação, defendida pelo prefeito Sandro Mabel (União Brasil) como parte de uma política de “tolerância zero”, reacendeu um intenso debate jurídico e político sobre os limites da atuação municipal em questões penais.
Das 40 pessoas abordadas, sete utilizavam tornozeleira eletrônica. Uma delas foi encaminhada à Seção Integrada de Monitoração Eletrônica (SIME) por violar a área de permanência autorizada; outras duas receberam orientações sobre adequação às regras judiciais, e quatro foram liberadas. Segundo a Polícia Penal, atualmente há 4.949 pessoas monitoradas na Região Metropolitana de Goiânia.
Em vídeos publicados nas redes sociais, Mabel afirmou que pretende impedir a circulação de monitorados que não estejam trabalhando. “Em Goiânia, trabalha ou volta para a prisão”, escreveu o prefeito, ao divulgar imagens das operações. Ele afirmou ainda que a iniciativa foi articulada com o governador Ronaldo Caiado (UB) e que a fiscalização será contínua, especialmente em locais considerados vulneráveis ao tráfico e uso de drogas.
Entretanto, o anúncio provocou reação imediata de órgãos jurídicos e entidades de defesa dos direitos humanos. A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) e a Defensoria Pública do Estado (DPE-GO) classificaram a medida como inconstitucional, ressaltando que a fiscalização de pessoas monitoradas é de competência exclusiva do Poder Judiciário, conforme previsto na Constituição Federal e no Código de Processo Penal.
“O monitoramento eletrônico é instrumento do sistema prisional, sob controle judicial. A Prefeitura não pode atuar como órgão fiscalizador de execução penal”, afirmou Alan Cabral Júnior, presidente da Comissão de Execução Penal da OAB-GO. Segundo ele, prender ou deter alguém apenas por não estar trabalhando “é uma forma de criminalizar a pobreza”.
A Defensoria Pública também se manifestou, destacando que há dois grupos distintos entre os monitorados: pessoas em prisão cautelar, que ainda não foram condenadas e, portanto, gozam da presunção de inocência, e apenados em progressão de regime, que cumprem etapas de ressocialização. Para o órgão, qualquer regressão de regime sem decisão judicial constitui violação de direitos fundamentais.
O advogado criminalista e conselheiro federal da OAB, Pedro Paulo de Medeiros, reforçou que “a Prefeitura não possui atribuição legal para fiscalizar o cumprimento de penas ou medidas cautelares”, acrescentando que apenas juízes e a Polícia Penal podem determinar providências diante de irregularidades no uso da tornozeleira. “O prefeito pode cobrar providências como cidadão, mas não executar ações de natureza penal”, pontuou.
Em resposta às críticas, Mabel declarou que a operação ocorre em “cooperação com a Polícia Penal” e que o objetivo é reforçar a sensação de segurança urbana. “A cidade é nossa e precisamos cuidar dela. Quem estiver fora das condições determinadas pela Justiça será encaminhado para as autoridades competentes”, afirmou.
O prefeito também associou a operação a ações de reinserção social, mencionando parcerias com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para capacitação profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo ele, mais de 2 mil cidadãos em situação de rua já teriam sido encaminhados para oportunidades de emprego ou acolhimento social — embora não tenha detalhado critérios de seleção ou acompanhamento desses casos.
Especialistas avaliam que, embora a proposta de ampliar a segurança pública seja legítima, o formato adotado pela Prefeitura pode ferir o princípio da separação dos Poderes e comprometer garantias legais básicas. O episódio evidencia, mais uma vez, o desafio de equilibrar políticas de segurança com o respeito ao Estado de Direito e à dignidade humana.
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