MP-GO contesta prorrogação de prazo para fim dos lixões e aciona Justiça contra lei estadual
Ação direta de inconstitucionalidade questiona norma que estende funcionamento de lixões em Goiás até 2026, contrariando legislação federal e princípios ambientais constitucionais. Ministério Público aponta vícios formais e materiais, e pede suspensão imediata da lei.

A prorrogação do prazo para o encerramento dos lixões em Goiás provocou uma reação incisiva do Ministério Público do Estado (MP-GO), que considera a nova legislação estadual não apenas inoportuna, mas também flagrantemente inconstitucional. Nesta quarta-feira (28), o procurador-geral de Justiça, Cyro Terra Peres, protocolou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), pedindo a suspensão imediata da Lei Estadual nº 23.407/2025, sancionada em 13 de maio, que amplia em 360 dias o prazo para que municípios goianos erradiquem seus lixões.
A lei, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) após a derrubada do veto do governador Ronaldo Caiado (União Brasil), estabelece maio de 2026 como novo limite para o encerramento das atividades em áreas de descarte inadequado de resíduos sólidos. A medida, segundo o MP, confronta diretamente a Lei Federal nº 12.305/2010, que fixou 2 de agosto de 2024 como data-limite nacional para a adoção de soluções ambientalmente adequadas para rejeitos.
Votação secreta e quebra de transparência
Um dos principais pilares da ação do MP-GO está no vício formal. A derrubada do veto de Caiado se deu em votação secreta — uma prática que, desde a Emenda Constitucional nº 76/2013, é vedada no ordenamento jurídico brasileiro. Essa emenda tornou obrigatória a publicidade das votações parlamentares, especialmente na análise de vetos, como forma de garantir transparência e controle social sobre as ações dos legisladores.
“O procedimento adotado pela Assembleia Legislativa violou o princípio republicano e o direito da sociedade ao conhecimento das decisões públicas”, afirmou Cyro Terra. Ele sustentou que tal método compromete a legitimidade da lei e o dever de prestação de contas por parte dos parlamentares.
Violação à Constituição e à Política Nacional de Resíduos
No mérito, o MP-GO argumenta que a lei estadual ultrapassa os limites da competência legislativa concorrente dos estados ao legislar de forma contrária às normas gerais estabelecidas pela União. O artigo 24 da Constituição Federal prevê que, nas competências concorrentes, os estados não podem editar normas que contrariem diretrizes federais já estabelecidas — como é o caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
De acordo com a petição inicial, ao permitir a manutenção de lixões por mais um ano, a lei goiana viola os princípios da prevenção, precaução e da vedação ao retrocesso socioambiental, pilares constitucionais fundamentais para a proteção do meio ambiente.
Riscos ambientais e à saúde pública
Além da ilegalidade formal e material, o MP-GO destacou o grave impacto ambiental e sanitário da permanência dos lixões, que continuam a contaminar solo, água e ar em dezenas de municípios goianos. A exposição da população — especialmente de comunidades mais vulneráveis — a resíduos tóxicos e à proliferação de vetores de doenças é um problema de saúde pública que se arrasta há décadas no estado.
“O funcionamento de lixões é símbolo de negligência ambiental e ineficiência administrativa, além de representar uma afronta ao direito das presentes e futuras gerações a um ambiente ecologicamente equilibrado”, afirmou Cyro Terra na ação.
Medida cautelar e jurisprudência favorável
O MP-GO solicitou ao TJ-GO a concessão de medida cautelar para suspender imediatamente a eficácia da lei. A solicitação se ancora nos princípios do “fumus boni iuris” (plausibilidade do direito alegado) e do “periculum in mora” (risco de dano irreparável com a demora na decisão).
A ação remete a precedentes do próprio TJ-GO. Em novembro de 2024, o tribunal suspendeu a Lei Complementar Estadual nº 196/2024, que também previa extensão de prazo para erradicação de lixões — um caso que guarda estreita semelhança com o atual.
Descompasso com a realidade nacional e omissão municipal
Levantamento do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) aponta que mais de 130 cidades do estado ainda utilizam lixões ou aterros controlados, demonstrando a inércia histórica dos gestores municipais. Mesmo com 14 anos de vigência da Lei Federal 12.305/2010, os municípios têm reiteradamente ignorado os prazos e as responsabilidades previstas.
Enquanto isso, estados como São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul têm avançado em consórcios intermunicipais, usinas de triagem e aterros sanitários regionalizados, mostrando que soluções técnicas e viáveis existem — quando há vontade política.
Perspectivas e próximos passos
O relator da ação no TJ-GO ainda será designado. A decisão liminar poderá sair nas próximas semanas, mas fontes internas do tribunal indicam que o histórico favorável à tutela ambiental pode acelerar o julgamento.
Para o MP-GO, o caso representa mais do que uma batalha jurídica. É uma disputa entre dois modelos de desenvolvimento: um baseado na sustentabilidade e na legalidade; outro, na postergação de responsabilidades e no descaso com o futuro ambiental do estado.
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