Motociclistas lideram atendimentos por acidentes no Hugo e expõem crise silenciosa nas ruas de Goiás
Dados de 2025 revelam que 3 em cada 4 vítimas de trânsito atendidas no maior hospital de urgência do estado são motociclistas; cenário acende alerta para políticas públicas de prevenção e infraestrutura urbana

Em meio ao ronco constante dos motores que cortam os bairros e avenidas da capital, uma estatística silenciosa cresce sem alarde: motociclistas representam 75% dos pacientes atendidos por acidentes de trânsito no Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo). Entre janeiro e abril de 2025, foram 678 ocorrências com motos, de um total de 909 atendimentos viários realizados pela unidade de referência estadual, hoje sob gestão do Hospital Israelita Albert Einstein.
O número vai além de um dado hospitalar. Ele espelha uma crise cotidiana nas ruas goianas, marcada pela falta de planejamento urbano, insuficiência de campanhas educativas permanentes e ausência de políticas públicas eficazes de proteção aos usuários mais vulneráveis do trânsito.
A motocicleta, que se tornou um símbolo de agilidade e economia, especialmente entre entregadores e trabalhadores informais, também se transformou em vetor de risco elevado. No Brasil, o Atlas da Violência 2025 — produzido pelo Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública — reforça o alerta: os motociclistas concentram grande parte das mortes no trânsito, em especial entre jovens do sexo masculino. Goiás aparece como 12º estado com mais óbitos relacionados a acidentes com motos.
“A motocicleta virou um instrumento de sobrevivência, mas também um bilhete de entrada para os setores de trauma”, afirma o coordenador do Departamento de Emergência do Hugo, Dr. Gustavo Moreira.
Ele descreve que fraturas expostas, traumatismos cranioencefálicos e lesões torácicas e abdominais são as ocorrências mais comuns entre motociclistas acidentados. A gravidade e a multiplicidade das lesões exigem rapidez, precisão e integração de especialidades, algo que, segundo o médico, o hospital consegue garantir por ser referência em trauma de alta complexidade.
A diretora médica do Hugo, Dra. Fabiana Rolla, destaca que o volume crescente de atendimentos reforça o papel da unidade como um dos pilares da rede de urgência no Centro-Oeste:
“Nossa missão é oferecer assistência de excelência, com equipes treinadas para agir em situações críticas. Mas também é preciso olhar para a raiz do problema, que está nas ruas, no uso cada vez mais intenso de motocicletas sem o acompanhamento proporcional de políticas públicas voltadas à segurança.”
Um problema sistêmico: mais que imprudência, é desigualdade
A maior parte dos motociclistas internados, conforme apurado pela reportagem, são trabalhadores informais, entregadores ou pessoas em deslocamento profissional. A vulnerabilidade não está apenas no trânsito, mas também na exposição social e na ausência de redes de proteção, como seguros ou planos de saúde.
“É comum recebermos pacientes que não têm cobertura alguma. Saem do hospital com sequelas permanentes e voltam para uma rotina precária, muitas vezes sem condições de reabilitação”, explica um enfermeiro da unidade, sob condição de anonimato.
Organizações de mobilidade urbana alertam ainda que a infraestrutura de Goiânia é deficitária para motos, com sinalização precária, ausência de faixas exclusivas e asfalto em más condições. Um levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária mostra que 95% dos acidentes têm alguma ligação com o fator humano, mas esse dado precisa ser lido com cautela, segundo especialistas: falta de capacitação, jornadas exaustivas e pressão por produtividade são elementos que distorcem a ideia de “culpa” do condutor.
Caminhos para mudar o cenário
A Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) afirmou, por nota, que “estuda ampliar as campanhas de conscientização voltadas a motociclistas”, mas não informou se há previsão de investimentos em infraestrutura urbana específica ou políticas para entregadores por aplicativo. A Secretaria Estadual da Saúde, por sua vez, informou que os atendimentos no Hugo estão sendo acompanhados por um grupo técnico que deve propor ações integradas com a Secretaria de Segurança Pública.
Enquanto isso, os dados do hospital são o retrato de uma realidade que escancara a urgência de medidas concretas e integradas entre governos, sociedade civil e empresas. Sem isso, o ronco dos motores continuará se confundindo com o das sirenes.
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