Justiça suspende interdição do aterro de Goiânia, mas município segue sem prazo para solução definitiva
Com base em alegações de impacto financeiro de R$ 102 milhões por ano, Prefeitura consegue reverter liminar que exigia fechamento do aterro sanitário; pendências ambientais e ausência de licenciamento permanecem.

A Prefeitura de Goiânia conseguiu, na Justiça, evitar a interdição total do aterro sanitário da capital, localizada nas imediações da GO-060. A decisão foi proferida pelo presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), desembargador Leandro Crispim, que acatou o argumento do município sobre o alto impacto econômico e logístico da medida. O aterro, no entanto, opera há meses sem licença ambiental e foi alvo de uma decisão anterior que o considerava um risco à saúde pública e ao meio ambiente.
A decisão do magistrado revoga a liminar concedida no último dia 23 de abril pela juíza Mariuccia Benicio, que havia determinado prazo de 30 dias para encerramento das atividades e de até dois meses para desativação total do local. A medida atendeu a um pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), que apontou o descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado ainda em 2020 e a operação do aterro sem licença válida desde dezembro de 2023.
Argumento econômico pesa, mas solução técnica segue sem prazo
No recurso, a Procuradoria-Geral do Município apresentou um estudo técnico da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) estimando que a eventual transferência do lixo da cidade para aterros privados em Guapó ou Aparecida de Goiânia elevaria os custos com destinação de resíduos para até R$ 184 milhões anuais — um salto de mais de R$ 100 milhões em relação ao gasto atual. Além do custo com quilometragem (aumentando de 12 km para até 33 km por viagem), os aterros privados cobrariam R$ 117 por tonelada descartada.
Com isso, o Paço argumentou que a medida provocaria “grave lesão à ordem e à economia públicas”. A prefeitura alega que herdou um passivo de R$ 3,4 bilhões da gestão anterior e que não teria margem orçamentária para uma reestruturação emergencial da logística do lixo na capital.
O que chama atenção, porém, é que o município não estipula qualquer prazo para a adequação do aterro sanitário, que continua operando irregularmente. Em anexo ao recurso, a Seinfra apenas sugere que o planejamento atual estaria completo até dezembro de 2026 — ou seja, mais de 18 meses após a constatação judicial dos riscos sanitários.
Risco ambiental confirmado por laudos técnicos
O MP-GO e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) sustentam que o aterro representa risco real de contaminação de lençóis freáticos, presença descontrolada de chorume e acúmulo crítico de gases como o metano, cuja concentração já ameaça explosões. Segundo relatório da Semad, a pilha de resíduos atinge 100 metros de altura em alguns pontos — o dobro do recomendado para segurança e estabilidade do solo.
A presidente da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), Zilma Peixoto, admite que o aterro opera sem licença desde dezembro, mas afirma que 38 das 60 exigências do TAC já foram cumpridas. Para a gestão atual, há sustentação técnica para operar por ao menos dois anos, e o município já investiu cerca de R$ 14 milhões em maquinário e infraestrutura mínima.
Justiça suspende interdição, mas sem condicionantes claras
A nova decisão judicial derruba a interdição sem impor prazos ou metas específicas para adequação técnica ou ambiental. Isso significa, na prática, que o município mantém a operação do aterro sem responder objetivamente às irregularidades apontadas por peritos ambientais e pela própria Justiça de primeira instância.
“É um alívio temporário, não uma solução definitiva”, afirma um procurador que acompanha o caso. “A Justiça reconhece a inviabilidade orçamentária, mas isso não elimina os passivos ambientais acumulados há mais de uma década.”
Histórico de falhas e tentativas frustradas de privatização
O aterro foi inaugurado em 1993 e operado até 2024 pela Comurg. Desde outubro, passou à responsabilidade da Seinfra, que já tentou por duas vezes privatizar total ou parcialmente a gestão dos resíduos — sem êxito. A última tentativa, que previa enviar 40% do lixo da capital para aterros privados, foi barrada judicialmente pelo desembargador Breno Caiado, sob suspeita de irregularidade no processo licitatório emergencial.
Hoje, o serviço de coleta urbana é executado pelo Consórcio Limpa Gyn. Para dar conta da destinação alternativa, o número de caminhões teria que subir dos atuais 45 para ao menos 57, segundo o estudo da Seinfra.
O que esperar agora?
A suspensão da interdição não elimina a responsabilidade da Prefeitura de apresentar uma solução viável e duradoura. O Ministério Público deve acompanhar de perto os desdobramentos. Ambientalistas alertam que a degradação contínua pode se tornar irreversível caso as medidas estruturais não sejam adotadas em tempo hábil.
Enquanto isso, o lixo de uma cidade com mais de 1,5 milhão de habitantes segue sendo depositado diariamente em um espaço que, oficialmente, não poderia estar em funcionamento.
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