Goiás transfere gestão de escolas especializadas do interior para Apaes e redefine política de atendimento a pessoas com deficiência
Convênios com organizações sociais preservam caráter público das unidades, ampliam atendimento multidisciplinar e reacendem debate sobre educação inclusiva, transporte acessível e educação ao longo da vida

O Governo de Goiás avança na formalização de convênios que transferem a gestão administrativa de escolas estaduais especializadas do interior para Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes), em um processo de transição que deve ser concluído até o início de 2026. A medida, conduzida pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), busca garantir a continuidade do atendimento a pessoas com deficiências severas, diante de limitações operacionais da administração direta e de mudanças recentes no cenário normativo nacional.
As unidades localizadas em Goiatuba, Uruana, Uruaçu, Cachoeira Alta, São Luís de Montes Belos e Iporá estão em fase final de repasse à gestão das Apaes. Em Inhumas, o atendimento especializado é mantido pela Associação Pestalozzi, que passa por reestruturação. Juntas, as escolas atendem cerca de 150 estudantes. Com a transição, todas as unidades especializadas antes sob gestão direta da Seduc passam a ser administradas por organizações sociais, com exceção do Colégio Estadual Florescer, em Goiânia.
Segundo a Seduc, as escolas permanecem públicas e vinculadas à rede estadual. O convênio transfere às associações apenas a gestão administrativa, enquanto o Estado mantém o controle pedagógico, a definição da matriz curricular e a alocação de profissionais como diretores, coordenadores, professores e secretários escolares. “As Apaes agregam uma expertise que a educação, sozinha, não consegue oferecer, especialmente na avaliação funcional dos estudantes e no atendimento multidisciplinar”, afirma o superintendente de Atenção Especializada da Seduc, Rupert Nickerson.
Pelo modelo adotado, as unidades conveniadas continuam a receber os mesmos benefícios das demais escolas estaduais, incluindo alimentação escolar, uniformes, recursos para manutenção, verba de equipagem e o repasse do valor-aluno conforme o número de matrículas. Os estudantes também mantêm acesso à Bolsa Estudo. As Apaes, por sua vez, podem captar recursos complementares por meio de emendas parlamentares, parcerias institucionais e ações comunitárias, além de ofertar serviços como fisioterapia, fonoaudiologia e terapias ocupacionais, fora do escopo tradicional da educação.
A mudança ocorre em meio à reavaliação das políticas federais de educação especial. Com a revogação do decreto que previa a inclusão irrestrita de alunos com deficiência exclusivamente na rede regular, voltou a ser reconhecida a legitimidade das escolas especializadas. De acordo com a Seduc, a alteração reduziu questionamentos jurídicos e permitiu avançar na formalização dos convênios. Antes disso, havia forte pressão para o encerramento dessas unidades, inclusive por parte do Ministério Público, o que gerou resistência de famílias de estudantes com deficiências severas.
Especialistas em direito administrativo avaliam que o modelo responde a entraves legais históricos. Para o advogado Alexandre Martins, presidente da Comissão de Direito Administrativo Sancionador da OAB-GO, a administração direta enfrenta restrições para custear serviços que extrapolam a área educacional. “Grande parte dos recursos é vinculada. Atendimentos que envolvem saúde e assistência social, embora essenciais para esses alunos, não podem ser financiados com facilidade pelo orçamento da educação”, explica. Ele ressalta, contudo, que os convênios não afastam o dever de fiscalização: os repasses permanecem sujeitos à prestação de contas e ao controle dos órgãos competentes.
O debate se intensifica especialmente no âmbito da chamada educação ao longo da vida, voltada a jovens e adultos que já concluíram a escolarização básica. Em Goiânia, o Colégio Estadual Florescer iniciou o processo de matrícula para o Projeto Ao Longo da Vida, destinado a estudantes que finalizaram o EJA Especial com terminalidade. Desenvolvido em parceria com a Apae, o programa prevê atividades voltadas à autonomia e à convivência social. A unidade passa por reforma estrutural, com entrega prevista para março de 2026.
Apesar dos avanços institucionais, gargalos persistem. A falta de transporte acessível tem se mostrado um dos principais obstáculos à permanência de estudantes com deficiência em programas educacionais e de convivência. Famílias relatam dificuldades após a transferência de atendimentos para novas unidades, sem que as rotas de transporte especializado acompanhem a mudança. Atualmente, o serviço atende pouco mais de 200 pessoas, com filas de espera e sem previsão de ampliação, segundo a Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC).
Gestores e familiares alertam que, sem transporte adequado, o direito à educação e à inclusão social fica comprometido, mesmo quando há vagas e estrutura disponíveis. O tema expõe o desafio central da política pública: articular educação, saúde, assistência social e mobilidade urbana para evitar a descontinuidade do atendimento a pessoas com deficiência. Para a Seduc, a estratégia de convênios com Apaes é um passo para evitar a desassistência, mas o êxito do modelo dependerá da capacidade do Estado e dos municípios de integrar essas políticas e garantir condições efetivas de acesso.
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