Entre desafios climáticos, pressão de custos e concorrência sintética, algodão brasileiro investe em inovação genética para manter protagonismo global
Dobro da produção em uma década consolidou o Brasil como principal exportador mundial da fibra. Agora, o setor enfrenta a necessidade de equilibrar produtividade, sustentabilidade e resistência a pragas, apostando em tecnologia genética como estratégia geopolítica e econômica.

A produção brasileira de algodão em pluma atingiu um novo patamar em 2024/25: são estimadas 3,9 milhões de toneladas colhidas, mais que o dobro do registrado na safra 2013/14, quando o país produziu cerca de 1,7 milhão de toneladas. Com isso, o Brasil consolida sua posição como maior exportador global da fibra, superando concorrentes tradicionais como Estados Unidos e Índia. No entanto, os números robustos escondem uma conjuntura de crescente complexidade.
Apesar da pujança no campo, a indústria têxtil nacional, historicamente uma das maiores consumidoras do algodão brasileiro, encolheu nos últimos anos, cedendo espaço a importações de tecidos sintéticos e produtos acabados da Ásia. Essa retração do mercado interno forçou o setor algodoeiro a buscar estabilidade e margens no mercado externo — onde exigências técnicas, ambientais e comerciais tornam-se cada vez mais rigorosas.
Fibras sintéticas e pressão de custos: a guerra silenciosa do algodão
A competição com fibras sintéticas — em especial o poliéster — representa hoje um dos maiores desafios estratégicos para o setor. Com preços significativamente inferiores, maior padronização e cadeia de suprimentos consolidada, o sintético responde por cerca de 65% da matéria-prima global utilizada na indústria têxtil, contra 24% do algodão natural, segundo a International Cotton Advisory Committee (ICAC).
Nesse cenário, os produtores brasileiros buscam diferenciais competitivos que vão além da produtividade. Para Eduardo Kawakami, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Tropical Melhoramento & Genética (TMG), o Brasil tem apostado em três pilares que sustentam sua liderança: qualidade de fibra, sustentabilidade ambiental e inovação genética.
“É preciso mais do que volume. A rastreabilidade, a responsabilidade socioambiental e a eficiência na produção são exigências crescentes dos mercados internacionais, especialmente na Europa e na Ásia. O algodão brasileiro avançou muito nesse sentido e hoje é referência global”, afirma Kawakami.
Genética como resposta à instabilidade climática e biológica
A adoção de cultivares geneticamente melhoradas tem se mostrado essencial para enfrentar as limitações impostas por um clima tropical de altos riscos sanitários. Doenças como ramulária, mancha alvo (Corynespora) e os persistentes ataques de nematoides impõem elevados custos operacionais. Além disso, o bicudo-do-algodoeiro, uma das pragas mais devastadoras da cultura, continua desafiando os limites do controle químico convencional.
Segundo Kawakami, o avanço das soluções biotecnológicas pode representar uma ruptura. “A engenharia genética voltada à resistência ao bicudo é uma fronteira que, quando cruzada, colocará o Brasil em outro patamar competitivo. Estamos investindo pesadamente nisso porque sabemos que os ganhos serão duradouros e estruturais.”
Ainda que a maior parte da produção ocorra sob regime de sequeiro — sem irrigação —, o algodão brasileiro continua exposto a riscos sazonais severos, como o excesso de chuvas durante a colheita ou períodos prolongados de estiagem na fase vegetativa. A genética adaptativa tem sido, portanto, uma aliada para garantir estabilidade de produtividade em ambientes adversos.
Sustentabilidade como ativo estratégico
A imagem de sustentabilidade, cada vez mais valorizada por compradores internacionais, tornou-se ativo estratégico para o algodão brasileiro. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), cerca de 84% da produção nacional conta com certificação socioambiental, respaldada por mecanismos de rastreabilidade digital.
“O consumidor final, especialmente na Europa, já exige essa garantia. E grandes marcas globais, como H&M e Levi’s, estão impondo metas agressivas de rastreabilidade e neutralidade de carbono. O Brasil tem respondido com eficiência a essa demanda, inclusive com o uso de plataformas tecnológicas como o sistema ‘Algodão Brasileiro Responsável’ (ABR)”, ressalta Kawakami.
Uma questão geopolítica
Com a intensificação das tensões comerciais entre China, Estados Unidos e Europa — os três maiores polos de consumo e processamento têxtil —, o algodão brasileiro surge como alternativa viável e confiável para abastecimento. A neutralidade política do país no atual cenário geopolítico é vista como vantagem adicional por importadores que buscam estabilidade na cadeia de suprimentos.
Para Kawakami, isso eleva o valor estratégico da inovação no campo. “O melhoramento genético já não é apenas uma ferramenta de ganho agronômico. Ele se tornou parte essencial da diplomacia comercial do agro brasileiro. Ao mantermos qualidade, rastreabilidade e responsabilidade ambiental, conquistamos espaço mesmo diante de barreiras não tarifárias crescentes”, conclui.
Contexto adicional e projeções:
- A área plantada com algodão no Brasil para a safra 2024/25 é estimada em cerca de 1,75 milhão de hectares, com destaque para os estados de Mato Grosso e Bahia.
- O algodão brasileiro é exportado para mais de 80 países, com China, Vietnã, Turquia e Bangladesh entre os principais destinos.
- O preço médio da pluma no mercado internacional, pressionado pela oferta de sintéticos, tem oscilado entre US$ 0,75 e US$ 0,90/libra-peso.
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