Em Goiás, mulheres abandonam tradição de adotar sobrenome do marido e impulsionam mudança histórica nos casamentos
Levantamento inédito dos Cartórios de Registro Civil revela que apenas 27,77% das mulheres incorporaram o sobrenome do cônjuge em 2024, consolidando a maior transformação cultural desde o Código Civil de 2002.

Uma mudança estrutural no comportamento familiar e nas dinâmicas de gênero em Goiás tem ganhado contornos estatísticos claros. Levantamento da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de Goiás (Arpen/GO), com base nos dados enviados pelos cartórios ao sistema nacional CRC, indica que apenas 27,77% das mulheres que se casaram em 2024 adotaram o sobrenome do marido — o menor índice registrado desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que passou a permitir múltiplas combinações de nomes conjugais.
O dado revela uma inflexão importante na compreensão social sobre identidade e autonomia feminina. Enquanto no início dos anos 2000 incorporar o sobrenome do cônjuge era prática majoritária — com 39,43% das mulheres fazendo essa opção em 2003 —, o cenário atual reflete transformações profundas no papel da mulher na vida pública, no mercado de trabalho e na percepção da individualidade dentro da relação conjugal.
No total, o Brasil registrou 936.555 casamentos em 2024, dos quais 371.206 resultaram na adoção do sobrenome masculino. Em contraste, em 2003, 370.141 mulheres fizeram essa opção em um universo muito menor de casamentos — 748.981. A tendência nacional, portanto, acompanha o movimento observado em Goiás, ainda que o estado apresente um ritmo mais acentuado de mudança.
Identidade preservada e novas configurações conjugais
De acordo com o presidente da Arpen/GO, Devanir Garcia, o fenômeno está diretamente relacionado à consolidação da autonomia das mulheres. Ele aponta que as mudanças no ambiente profissional, na formação acadêmica e nas noções de igualdade dentro dos relacionamentos contribuíram para que mais mulheres mantivessem o próprio nome após o casamento.
A preservação dos nomes de solteiro é, hoje, a escolha predominante: 63,60% dos casais goianos optaram por não alterar seus nomes em 2024, o maior índice da série histórica. Em 2003, essa decisão representava 38,02% dos matrimônios. Em números absolutos, foram 21.395 casamentos, de um total de 33.646, sem qualquer modificação nominal.
Outra configuração que cresceu, embora de forma mais tímida, é a adoção de sobrenome por ambos os cônjuges. O percentual passou de 7,13% em 2003 para 7,80% em 2024, totalizando 2.625 celebrações no último ano. A prática, apesar de minoritária, ilustra uma busca por equilíbrio simbólico na representação da união conjugal.
Adoção do sobrenome da mulher segue rara
Mesmo permitida pelo Código Civil de 2002, a inclusão do sobrenome da esposa pelo marido continua excepcional. Em 2024, essa escolha ocorreu em apenas 0,83% dos casamentos — 283 casos, em um universo de mais de 33 mil uniões no estado. Há duas décadas, eram apenas 192 casos, demonstrando que, embora haja crescimento, a mudança ainda não encontrou repercussão social significativa.
Marco legal recente amplia possibilidades
A tendência de flexibilização do nome civil foi reforçada pelo marco regulatório estabelecido pela Lei Federal nº 14.382/2022, que simplificou alterações de sobrenomes. A norma ampliou possibilidades de inclusão de sobrenomes familiares e autorizou modificações após o casamento, após o divórcio e em decorrência de alterações nos nomes dos pais. Filhos também podem incorporar sobrenomes por vínculos familiares previamente não registrados.
A nova legislação amplia ainda mais o campo de escolhas individuais e familiares, reforçando a ideia de que o nome civil — antes rigidamente definido — passou a ser expressão direta da construção identitária.
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