Condenação de fisiculturista por feminicídio encerra ciclo de dor para família de Marcela Luise: “A justiça, enfim, foi feita”
Após julgamento no Tribunal do Júri, Igor Porto Galvão é condenado a 20 anos e seis meses de prisão por homicídio brutal contra a companheira. Caso expõe trajetória de abusos, violência doméstica e tentativa de encobrimento do crime com falsa alegação de acidente doméstico.

O Tribunal do Júri de Aparecida de Goiânia selou, na última quinta-feira (26), o destino de Igor Porto Galvão, fisiculturista e educador físico de 31 anos, ao condená-lo a 20 anos e seis meses de prisão pelo feminicídio da jovem Marcela Luise de Souza Ferreira. O caso, que comoveu o estado de Goiás e gerou indignação nas redes sociais, expôs uma relação marcada por violência silenciosa, culminando em um crime brutal praticado no interior da residência do casal.
“A dor permanece, mas a sensação é de alívio. A Justiça cumpriu o seu papel. É o fim de um ciclo de sofrimento para todos nós”, declarou Fernanda Paula Miranda Ferreira, tia da vítima, em entrevista após a sentença. Para ela e os demais familiares, a condenação não repara a perda irreparável, mas representa um gesto simbólico de dignidade e respeito à memória de Marcela.
Espancamento, tentativa de encobrimento e denúncia
Marcela foi brutalmente agredida no dia 10 de maio de 2024, no bairro Parque São Pedro, em Aparecida de Goiânia, onde vivia com Igor e a filha do casal, de 6 anos. Segundo o Ministério Público de Goiás (MP-GO), o réu desferiu socos e chutes na companheira, que sofreu traumatismo craniano, múltiplas fraturas em costelas e diversas escoriações.
A tentativa de ocultar o crime foi imediata. Igor deu banho na vítima inconsciente, limpou os vestígios da agressão e a conduziu ao hospital, apresentando à equipe médica a versão de um suposto acidente doméstico: Marcela teria escorregado enquanto limpava a casa e batido a cabeça. A versão não resistiu às evidências médicas e periciais.
“Ele narrou que ela havia convulsionado após a queda. Mas os ferimentos eram incompatíveis com acidentes domésticos. O laudo apontou violência contundente, sistemática e incompatível com a narrativa apresentada pelo acusado”, explicou a delegada Bruna Coelho, que conduziu a investigação da Polícia Civil.
Marcela permaneceu internada em coma por dez dias e faleceu no dia 20 de maio. A filha do casal, hoje sob os cuidados da avó materna, está em acompanhamento psicológico. “Ela sente a falta da mãe, fala com saudade. Estamos tentando reconstruir o que a violência destruiu”, acrescentou Fernanda.
O julgamento e a decisão do júri
Durante o julgamento, Igor foi condenado por homicídio triplamente qualificado — por motivo fútil, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima —, além de feminicídio. O juiz Leonardo Fleury Curado Dias, ao proferir a sentença, destacou a desproporção da força física entre autor e vítima, o histórico de agressões psicológicas e a privação de assistência à filha do casal como agravantes.
A pena inicial, de 21 anos, teve acréscimo de dois anos para cada qualificadora e mais três anos por abandono material e afetivo da filha. Com a confissão parcial de Igor, a pena foi atenuada em seis meses, totalizando 20 anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, sem direito a recorrer em liberdade.
“O reconhecimento do feminicídio demonstra que a vítima vivia em um ciclo contínuo de submissão, medo, e violência emocional. As ameaças constantes de perder a filha e as humilhações impuseram a Marcela um sofrimento psicológico que antecedeu a agressão fatal”, afirmou o magistrado.
Perfil do réu e a tentativa de se preservar
Nascido em Anápolis, Igor Porto Galvão era conhecido no meio esportivo como fisiculturista, personal trainer e nutricionista. Nas redes sociais, projetava a imagem de um profissional bem-sucedido e dedicado à saúde e estética corporal. Em contraste, familiares de Marcela relataram um histórico de controle, ciúmes, traições e episódios de violência ao longo dos nove anos de união.
Segundo apurado pelo MP-GO, o casal morou em Brasília antes de se mudar para Aparecida de Goiânia em 2021. O relacionamento, segundo os autos, era marcado por tensão constante. Amigos próximos relataram à imprensa, sob anonimato, que Marcela chegou a considerar o fim da relação diversas vezes, mas era dissuadida pelo medo de represálias.
Um caso emblemático no combate à violência contra a mulher
O caso de Marcela Luise se soma à triste estatística dos feminicídios em Goiás e no Brasil. Em 2023, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou mais de 1.400 mortes de mulheres motivadas por violência de gênero. Apenas em Goiás, o número de feminicídios consumados ultrapassou 50 casos no mesmo período.
A promotora responsável pelo caso, Fernanda Balbi, afirmou que o julgamento representa “um marco de responsabilização num contexto de violência doméstica ainda naturalizado em muitos lares brasileiros”. A condenação reforça o papel do Tribunal do Júri na proteção de vítimas invisibilizadas por relações afetivas abusivas.
A defesa de Igor, representada pelo advogado Marcelo Celestino Soares, anunciou que irá recorrer da decisão, alegando que o veredito foi “contrário às provas dos autos”. O recurso será analisado pelo Tribunal de Justiça de Goiás, mas sem efeito suspensivo.
Conclusão: um nome entre tantos, uma luta por todas
A morte de Marcela Luise não é apenas um número entre os trágicos registros de feminicídio. É um retrato cruel da violência de gênero enraizada na sociedade, muitas vezes disfarçada sob a aparência da normalidade doméstica. A sentença, embora limitada pelos marcos legais, sinaliza que a Justiça pode, sim, ser um instrumento de memória, dignidade e reconstrução.
Enquanto isso, a família de Marcela segue em luto — um luto com nome, voz e saudade —, mas com a serenidade de saber que, desta vez, o silêncio da vítima encontrou eco nas instituições.
Nota da defesa de Igor Porto Galvão
“O escritório Sandrim e Soares, por meio de seu advogado Marcelo Celestino Soares (OAB-GO 64.365), vem a público manifestar-se sobre a recente condenação de Igor Porto Galvão a 20 anos de reclusão pelo falecimento de sua esposa, Marcela Louise.
A defesa de Igor Porto Galvão entende que a decisão proferida pelo conselho de sentença foi contrária às provas apresentadas nos autos do processo e não condizente com a conduta praticada por Igor.
Diante disso, informa que a defesa irá recorrer da decisão, buscando a revisão da condenação nas instâncias superiores. Acreditamos na importância de que os fatos sejam reavaliados à luz das provas para que a justiça seja plenamente alcançada.”
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