Câmara de Goiânia mais que dobra verba para programa de jovens aprendizes: R$ 46,6 milhões até 2029
Contrato com entidade ligada ao terceiro setor prevê formação técnica e administrativa de 300 adolescentes por ano, mas aumento de 70% nos custos levanta debate sobre planejamento, transparência e efetividade na aplicação de recursos públicos

A Câmara Municipal de Goiânia firmou, em março deste ano, um novo termo de colaboração para o programa Jovem é o Futuro, elevando os repasses à organização contratada a impressionantes R$ 46,6 milhões ao longo de cinco anos. O valor representa um aumento de 70% em relação ao contrato anterior, com gasto anual saltando de R$ 5,5 milhões para R$ 9,3 milhões em 2024. A entidade responsável pela execução segue sendo a Obras Sociais do Centro Espírita Irmão Áureo (Osceia), que venceu o chamamento público realizado em novembro de 2023.
O convênio prevê a contratação de 300 jovens entre 14 e 24 anos em situação de vulnerabilidade social, para atuação em atividades administrativas nas dependências da Câmara e nos gabinetes dos vereadores. Eles receberão um salário mínimo, vale-transporte, seguro de vida, formação técnica e apoio psicossocial, com carga horária total de 1.500 horas — sendo 402 horas teóricas e 1.098 práticas. A formação inclui temas como ética, cidadania, inclusão digital, educação financeira, saúde e noções básicas de administração.
O que justifica o salto nos custos?
Apesar de manter o mesmo número de jovens atendidos (300 por ano), o novo acordo quase dobra o orçamento anual anterior. Segundo a justificativa da Câmara, a ampliação dos custos contempla despesas com encargos sociais, benefícios, uniformes, exames médicos, recursos humanos da entidade, formação continuada e R$ 2,7 milhões em custos administrativos da Osceia. A Casa também afirma que os recursos vêm do duodécimo — repasse obrigatório da Prefeitura ao Legislativo — e que todo o processo está amparado pela legislação federal de parcerias com o terceiro setor.
Entretanto, especialistas em gestão pública ouvidos pela reportagem sob anonimato chamam atenção para a falta de detalhamento dos valores unitários, tanto da formação quanto dos custos indiretos. “É necessário abrir a planilha de custos para avaliar a efetividade do gasto público. Se o programa pode ser feito por R$ 36 milhões, como estimado pela própria Câmara em uma versão mais enxuta, o novo valor de R$ 46 milhões precisa ser muito bem justificado”, avalia um consultor em administração pública.
Histórico de parceria e indicações políticas
A relação da Câmara com a Osceia não é nova. Desde 2020, a entidade mantém convênios com a Casa. O primeiro acordo custou R$ 3,9 milhões para a contratação de 200 jovens por um ano. Desde então, houve aditivos sucessivos até o novo contrato de cinco anos. Segundo a Câmara, a decisão de ampliar a vigência se deve à “eficácia comprovada do programa”.
Em paralelo, a entidade também recebeu emendas parlamentares diretas. Em 2023, o presidente da Câmara, Romário Policarpo (PRD), destinou R$ 250 mil à Osceia e à extensão “Chico Xavier”. Em 2025, indicou mais R$ 200 mil para construção do “Posto Chico Xavier”. O vereador Willian Veloso (PL) também figura entre os apoiadores, com repasses de R$ 70 mil em 2023 e R$ 80 mil para 2025.
O que faz a Osceia?
Fundada no ano 2000, a Osceia atua na promoção de projetos de assistência social, com foco em jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo o supervisor financeiro da entidade, Renato Luiz Ferreira, o programa Jovem Aprendiz representa apenas uma parte da atuação da organização. “Temos psicólogos, assistentes sociais, instrutores, RH, tesouraria. Somos auditados anualmente, pois recebemos subvenções federais e temos imunidade tributária”, disse ele ao Goiás Agora.
Ferreira também afirma que a execução indireta garante especialização na formação dos jovens: “A contratação, o acompanhamento, a capacitação teórica e a prestação de contas são de nossa responsabilidade, com base em legislação específica da aprendizagem profissional”.
Avaliação e próximos passos
Embora o programa tenha sido destacado por beneficiar mais de 1.000 jovens em cinco anos, críticos apontam a necessidade de maior transparência, prestação de contas detalhada e indicadores de resultado claros. Qual é a taxa de empregabilidade desses jovens após a passagem pela Câmara? Qual a efetividade da formação oferecida? Essas perguntas permanecem sem resposta pública.
A Câmara informou que os recursos serão liberados conforme cronograma físico-financeiro definido em plano de trabalho, mas não divulgou esse cronograma em seu portal de transparência até a publicação desta matéria.
Com o novo contrato, a expectativa é de que, até 2029, 1.500 jovens goianienses sejam impactados diretamente pelo programa — uma iniciativa relevante, mas que carrega o dever de ser rigorosamente fiscalizada.
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