22 de dezembro de 2024
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Artigo: O Indiciamento de 37 pessoas pela PF – O Episódio e suas consequências

Após investigações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, especialistas analisam a legalidade e o impacto das acusações.
Após investigações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, especialistas analisam a legalidade e o impacto das acusações.

Os jornais noticiaram o indiciamento de 37 pessoas em decorrência do que foi descoberto pela Polícia Federal no encerramento das investigações sobre o dia 8 de janeiro de 2023.

Em primeiro lugar, reitero o que tenho afirmado: é evidente que o assassinato de políticos eminentes e de membros do Poder Judiciário não engrandece a democracia; ao contrário, empobrece.

Nas democracias, as idas e vindas, de acordo com as correntes políticas, decorrem do debate. A única arma que se pode usar de forma consistente na democracia é a palavra. Por isso, rejeito qualquer forma de atentado violento contra pessoas que estejam exercendo, ou que venham a exercer, cargos públicos. Tal conduta não pode ser aceita por ninguém que ame a democracia neste país.

Contudo, sobre esse inquérito, quero fazer algumas considerações.

A primeira é a seguinte: tanto o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito quanto o de Golpe de Estado só podem ser punidos quando houver emprego de violência ou de grave ameaça, de acordo, respectivamente, com os artigos 359-L e 359-M do Código Penal.

Mesmo que os atos de execução desses crimes tivessem sido iniciados — segundo a polícia, foram apenas imaginados e pensados, mas não houve a tentativa — e alguma tragédia tivesse acontecido, a meu ver, não haveria possibilidade nenhuma da nossa democracia desaparecer. Estou convencido desta afirmação, pela minha experiência como professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército por 33 anos.

Pelo mesmo motivo, desde agosto até novembro de 2022, afirmei repetidamente que não haveria risco de golpe de Estado. Fiz essas declarações, inclusive, como presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, por meio de artigos publicados no Consultor Jurídico (Conjur) e de manifestações no Congresso Nacional, sempre sustentando que a possibilidade de um golpe era inexistente. Disse, inclusive, que essa probabilidade era “zero multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero”.

Ocorre que, sem o apoio das Forças Armadas, não há possibilidade de golpe de Estado. Mesmo admitindo — apenas por hipótese — que o Presidente da República tenha cogitado tal ação, seria impossível concretizá-la sem esse apoio. Até agora, temos apenas notícias e trechos de diálogos divulgados pela imprensa, e os próprios advogados dos indiciados afirmaram que estão enfrentando enorme dificuldade para obter o teor da acusação.

Reafirmo: não havia possibilidade de o Alto Comando do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica aderirem a um rompimento da ordem. Baseio-me, na minha convivência com coronéis que estavam sendo preparados para o generalato, os quais demonstravam um compromisso inabalável com a Constituição.

Outro ponto importante é a definição de “tentativa” no contexto legal. Para que haja um atentado violento ou uma grave ameaça, é necessário que existam atos concretos que caracterizem a tentativa. Até o momento, não há evidências de tais atos. Fala-se, por exemplo, de uma pessoa que teria ido à casa do Ministro Alexandre de Moraes. Tal situação, entretanto, poderia ter sido contida pelas forças de segurança que acompanham o Ministro.

Se não houve início da execução, ou seja, se os atos necessários para caracterizar a tentativa não ocorreram, o crime inexiste, conforme determina o Código Penal (art. 14, II). É fundamental que isso seja apurado com serenidade e o ministro Alexandre de Moraes, como figura central nesse caso, deve permitir que o Ministério Público e os demais Ministros apreciem as acusações.

Além disso, a morte de figuras públicas, por mais trágica que seja, não implica automaticamente no rompimento de uma democracia. Um exemplo disso foi o assassinato do presidente Kennedy nos Estados Unidos, que não abalou as estruturas democráticas daquele país.

No momento em que as notícias sobre esses fatos assumem um tom de escândalo generalizado, é essencial que uma análise seja feita com cautela. Como já afirmei, rejeito completamente qualquer atentado contra a vida de autoridades, mas insisto que é necessário examinar se houve ou não atos concretos que configurem essa tentativa e a de extinção do Estado Democrático de Direito.

Como um antigo professor da Escola do Comando de Estado-Maior do Exército, até 2022, reafirmo que a esmagadora maioria dos generais jamais apoiaria um rompimento da ordem constitucional. É algo que trago à reflexão, sempre destacando que devemos buscar a verdade dos fatos com serenidade e profundidade, examinando todas as provas para, então, definir as consequências legais.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

Professor Ives Gandra da Silva Martins – Foto: Andreia Tarelow

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