Nova proporção de etanol na gasolina entra em vigor sem impacto real nos preços, apontam analistas
Apesar de expectativa oficial de redução no valor do litro, aumento da mistura para 30% não deve gerar economia perceptível ao consumidor, devido ao custo elevado do etanol anidro

A partir desta sexta-feira (1º), a gasolina comercializada no Brasil passa a ter nova proporção de etanol anidro: 30%, ante os 27% anteriormente adotados. A medida, anunciada pelo governo federal como estratégia para estimular o uso de biocombustíveis e mitigar pressões externas sobre os preços dos derivados de petróleo, esbarra, no entanto, em uma realidade econômica menos otimista. Especialistas e representantes do setor descartam qualquer impacto significativo sobre o valor pago pelo consumidor final nas bombas.
Anunciada pelo Ministério de Minas e Energia como forma de atenuar possíveis oscilações no mercado internacional e ampliar o uso de fontes renováveis, a mudança foi acompanhada de projeções oficiais de redução de até R$ 0,11 por litro. A estimativa foi baseada no preço médio da gasolina no país na última semana de junho (R$ 6,20/litro), mas não encontra respaldo em análises independentes.
A Leggio Consultoria, especializada em mercado de combustíveis, estima que o impacto real será muito inferior: uma eventual queda entre 0,2% e 0,3% no preço por litro, o equivalente a uma economia de R$ 0,01 a R$ 0,02, dependendo da região. Distribuidoras e entidades do setor varejista consultadas corroboram essa avaliação.
“Não há justificativa econômica para redução significativa no preço ao consumidor. O etanol anidro é mais caro que o hidratado e não possui incentivos tributários equivalentes”, afirma Marcus D’Elia, sócio da Leggio.
Diferença estrutural de preços
Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) reforçam a análise. Na última semana de julho, o litro do etanol anidro nas usinas paulistas era negociado a R$ 2,91, enquanto o etanol hidratado custava R$ 2,54. A gasolina nas refinarias da Petrobras, por sua vez, estava fixada em R$ 2,85. Isso significa que, na prática, o custo do anidro que compõe a gasolina vendida ao público está acima do produto que substitui parcialmente.
“O governo vendeu a medida como um alívio para o consumidor, mas não houve análise profunda da estrutura de preços nem das flutuações do mercado de biocombustíveis”, avalia um executivo de uma grande distribuidora, sob condição de anonimato.
Além da gasolina, o diesel também sofreu alteração em sua composição: a mistura de biodiesel subiu de 14% para 15%, após adiamento anterior devido a denúncias de fraudes e riscos de pressão inflacionária sobre alimentos. Neste caso, o impacto será inverso: o mercado projeta ligeiro aumento nos preços, entre R$ 0,02 e R$ 0,03 por litro.
Contexto internacional e política energética
O aumento do percentual de etanol na gasolina foi uma resposta antecipada do governo às tensões no Oriente Médio, que poderiam pressionar o preço internacional do petróleo e impactar o custo de importações. No entanto, a instabilidade geopolítica não teve desdobramentos significativos sobre a cotação do Brent, e a medida acabou perdendo parte do efeito esperado.
Apesar do discurso oficial, entidades representativas como a Fecombustíveis e o Paranapetro contestaram as projeções do Ministério de Minas e Energia. A promessa de economia anual de até R$ 1.800 para motoristas autônomos, como taxistas e condutores de aplicativo, foi classificada como “tecnicamente irreal” por especialistas do setor.
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil importa aproximadamente 4% da gasolina consumida internamente, enquanto cerca de 25% do diesel vendido no país vem do mercado externo. A elevação do teor de biocombustíveis, ainda que pequena, pode reduzir parcialmente a dependência de importações. No entanto, o efeito prático depende de variáveis como safra de cana, preço do petróleo, logística e regime tributário.
Conclusão técnica
A adoção de maior percentual de etanol na gasolina representa, sobretudo, uma sinalização política em favor da matriz energética renovável, mas carece de respaldo técnico para produzir impactos econômicos imediatos e significativos ao consumidor final. Com o atual desenho de mercado, a expectativa é que os efeitos da medida sejam mais perceptíveis no médio prazo — e, ainda assim, condicionados à evolução dos preços do petróleo e da produção nacional de etanol.
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